República de milicianos: Adriano destruiu celulares após conversas e tentou usar lei sancionada por Bolsonaro

Atualizado em 17 de fevereiro de 2020 às 6:54
Adriano em dois momentos: à direita, se exercitando com a esposa na casa alugada em condomínio na Costa do Sauípe. Reprodução da TV Globo

Duas informações reforçam a suspeita de que o ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, líder da milícia no Rio de Janeiro, levou segredos para o túmulo.

Reportagem do Fantástico dá conta de que o Adriano destruía celulares depois da cada ligação, que ele fazia sempre com a utilização de rede de wi-fi.

Esses aparelhos poderiam reconstituir a rede de contatos que ele mantinha.

A outra informação relevante foi divulgada hoje pela Folha de S. Paulo.

A defesa de Adriano tentou se beneficiar de um medida que Jair Bolsonaro sancionou no pacote anticrime, apesar do parecer contrário do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.

“Um dos trechos do pacote anticrime que Jair Bolsonaro sancionou mesmo após recomendação contrária de Sergio Moro (Justiça) foi citado pela defesa do ex-PM Adriano da Nóbrega para tentar derrubar o mandado de prisão preventiva que havia contra ele”, diz nota publicada na coluna Painel.

“A peça dos advogados, enviada no último dia 30 à Justiça do Rio, diz que a manutenção da ordem chocava-se contra ‘importantíssima alteração legislativa resultante do pacote anticrime’ que dificultou a decretação de prisões preventivas”, acrescenta.

Foi a alteração no artigo 315 do Código de Processo Penal, que determina que os mandados de prisão tenham indicação “concreta da existência de fatos novos ou contemporâneos”, além da fundamentação específica.

Os advogados argumentaram que, no mandado de prisão contra Adriano, não havia especificação de fatos concretos relacionados a ele.

Seriam informações genéricas que poderiam constar de qualquer pedido de prisão.

Como se sabe, a oposição de Moro à sanção do pacote anticrime sem vetos específicos teria sido um dos motivos da última crise entre Moro e Bolsonaro, quando este anunciou que estudava a separação entre Segurança Pública e Justiça.

A separação das pastas, aliás, foi proposta pelo secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa.

A relação de Bolsonaro com a milícia é evidente. Tanto no passado quanto no período mais recente.

Até estourar o escândalo das rachadinhas, a ex-mulher e a mãe de Adriano trabalhavam no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro.

Ele e o pai vieram a público no último sábado para enaltecer o que seriam virtudes de Adriano da Nóbrega em 2005, quando ele foi homenageado por Flávio Bolsonaro.

O presidente da república chamou para si a responsabilidade pela homenagem. “Ele era um herói”, disse, numa manifestação típica de quem quer agradar os parentes e amigos de Adriano.

Depois da crítica velada à sanção do pacote anticrime, Moro baixou a bola e sua esposa, Rosângela, veio a público para declarar que ele e Bolsonaro são uma coisa só.

“Sou pró-governo federal”, disse Rosângela em entrevista ao Estadão.

“Eu não vejo o Bolsonaro, o Sergio Moro. Eu vejo o Sergio Moro no governo do presidente Jair Bolsonaro, eu vejo uma coisa só”, disse.

Quando reclamou da sanção do pacote anticrime da maneira como veio do Congresso Nacional, Moro talvez não tivesse consciência de que aquele ponto específico da prisão preventiva interessava a um miliciano muito próximo de Bolsonaro.

Uma proximidade que é recente, ao contrário do que declarou Bolsonaro sábado passado.

“Vocês querem me associar a alguém por uma fotografia, por uma moção, isso aconteceu 15 anos atrás. Pessoas mudam para o bem ou para o mal, mudam”, disse ele.

Até um ano e meio atrás, Adriano depositava dinheiro na conta de Fabrício Queiroz, o homem de confiança de Bolsonaro e Flávio.

Além disso, tinha mulher e mãe no gabinete de Flávio e, cumprindo determinação superior, orientou a ex-mulher por telefone a não comparecer ao Ministério Público do Rio de Janeiro para depor no inquérito que apura as rachadinhas.

Talvez o bolo que mistura Bolsonaro e Moro tenha mais ingredientes. Talvez Bolsonaro, Moro e Adriano sejam uma coisa só.

Recuperar as mensagens de Adriano nos celulares que ele destruía é fundamental para esclarecer esta e outras dúvidas.

Joaquim de Carvalho
Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquimgilfilho@gmail.com