Revistas acadêmicas exigem que autores provem não estar em listas de sanções internacionais. Por Reynaldo Aragon

Atualizado em 16 de agosto de 2025 às 16:24
Print de requisição de revista científica. Foto: Reprodução

Um print de uma das maiores plataformas de submissão de artigos científicos no mundo revela uma realidade assustadora: pesquisadores precisam declarar que não estão em listas de sanções dos EUA, da União Europeia ou do Reino Unido, nem vinculados a instituições “proibidas”, para poder publicar em periódicos internacionais. A exigência, aparentemente burocrática, denuncia a ascensão de uma verdadeira polícia científica, que ameaça a liberdade acadêmica e aprofunda o colonialismo do conhecimento.

O que deveria ser apenas mais uma etapa do processo de submissão acadêmica virou prova cabal de um tempo de obscurantismo e censura. O print capturado na plataforma ScholarOne Manuscripts, usada por algumas das revistas científicas mais importantes do planeta, exige que o autor declare não estar incluído em listas internacionais de sanções — como a dos Estados Unidos, do Reino Unido e da União Europeia. Mais do que isso: pergunta se o pesquisador trabalha em instituições sancionadas e até se seu artigo contém informações “militares ou de defesa” que seriam restringidas por leis de exportação.

À primeira vista, trata-se de burocracia técnica. Mas uma análise mais atenta revela o perigo: a submissão de conhecimento científico passa a ser condicionada a parâmetros geopolíticos definidos por potências ocidentais. Em outras palavras, a ciência internacional está sendo submetida ao mesmo regime de bloqueios, vigilância e exclusão que rege as guerras econômicas e políticas globais.

Da burocracia à censura

Esse tipo de exigência não nasceu por acaso. Desde a ascensão do trumpismo, os Estados Unidos expandiram o uso da chamada lei Magnitsky e de sanções econômicas como armas políticas. O que surpreende é ver essa lógica transposta para o universo acadêmico, transformando revistas científicas em dispositivos de vigilância ideológica. Publicar um artigo, nesse contexto, se aproxima de passar por uma triagem policial: é preciso provar inocência antes mesmo de ser ouvido.

Colonialismo científico

O impacto é ainda mais perverso para pesquisadores do Sul Global. Cientistas brasileiros, latino-americanos, africanos ou do Oriente Médio podem ser alvo direto desse filtro, seja por vínculos institucionais, seja pela própria origem geopolítica. A universalidade da ciência — princípio que deveria reger o conhecimento — se dissolve diante da imposição de barreiras baseadas em interesses estratégicos de grandes potências.

Esse mecanismo funciona como uma forma de apartheid epistêmico, em que certos corpos, vozes e saberes são permanentemente suspeitos. O pesquisador do Sul Global não é apenas autor: é tratado como potencial ameaça.

A polícia científica

A consequência é grave: a criação de uma verdadeira polícia científica. Não se trata apenas de avaliar a qualidade metodológica ou o mérito intelectual de um artigo, mas de controlar quem tem direito a publicar. O campo acadêmico, que deveria ser espaço de debate e pluralidade, transforma-se em fronteira de exclusão.

Essa prática lembra os mecanismos de censura de regimes autoritários do século XX, mas agora aparece de forma sofisticada, travestida de cláusulas contratuais e checkboxes burocráticos. É o totalitarismo informacional, que avança silencioso sob a máscara da neutralidade editorial.

Um alerta para o futuro

A comunidade científica precisa compreender a gravidade do que está em jogo. O print não é um detalhe administrativo: é um documento histórico que denuncia a captura da ciência por interesses geopolíticos e por uma lógica neofascista de controle.

Ao exigir que autores provem não serem “inimigos internacionais”, revistas acadêmicas abandonam a promessa da ciência universal e se alinham à máquina de vigilância global. O resultado é um campo de pesquisa mais pobre, mais restrito e mais submisso ao colonialismo.

O alerta é claro: se a submissão de um artigo já exige prova de lealdade geopolítica, então a ciência deixou de ser livre. O que se normaliza hoje como burocracia, amanhã poderá ser lembrado como o início de uma era de censura acadêmica aberta.