
A Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo, na gestão de Ricardo Nunes (MDB), desembolsou R$ 880 mil desde junho de 2023 para contratar, sem licitação, o cantor Davi Goulart — primo do secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho, Rodrigo Goulart — para apresentações em quermesses com cachês de R$ 50 mil, conforme informações do Globo.
A justificativa usada nos processos é a de “artista consagrado”. O total deve chegar a R$ 930 mil após um show realizado anteontem que ainda não foi pago.
Quem é o artista e por que foi contratado sem licitação?
Davi Goulart tem sete ouvintes mensais no Spotify e, até meados de 2023, animava churrascos e pedidos de casamento, segundo suas redes. Ele foi inicialmente contratado pela dupla David & Nélio (R$ 5 mil, teto da tabela da Cultura).
Um mês depois, passou a ser chamado para o “circuito quermesses”, já por inexigibilidade de licitação, sob a alegação legal de consagração “pela crítica especializada ou pela opinião pública”.
Nos pareceres técnicos, colocados sob sigilo, a pasta citou trechos do site do artista: participação em álbum de 2014 produzido por Ney Marques, o clipe de 2017 de “quando o amor maltrata” (de Hudson, da dupla Edson & Hudson) e a menção de que “a música ‘Taça de Vinho’ […] rodou o mundo sendo elogiado até pelo jogador do Barcelona Neymar JR”.
As contratações similares usadas para referenciar preço são notas de shows em bares da região de Interlagos e quermesses na Cidade Dutra, com valores entre R$ 50 mil e R$ 51 mil.
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Relação com Rodrigo Goulart
Davi é primo de Rodrigo Goulart, vereador licenciado e atual secretário municipal. Projetos que o contrataram receberam emendas do próprio Rodrigo: em 2023, ele destinou R$ 700 mil ao Circuito Cultural de Rua e, nos dois meses seguintes, Davi firmou três contratos somando R$ 425 mil.
Em vídeo (depois apagado e republicado), Rodrigo declarou: “Sempre um fã desse meu primo querido, que desde criança é atração das reuniões de família. Ele ainda é afilhado do meu pai, então a gente tem esse carinho especial”.
Entre 2023 e 2024, o secretário concentrou 47 emendas (mais de R$ 3 milhões) em eventos e artistas agenciados pela produtora Fino Tom, que representa Davi. Em 11 emendas, o alvo foi Nandu Carvalho; em cinco, o grupo Os Disponíveis; em seis, a banda Fun7 — três nomes da mesma produtora, que receberam R$ 1,1 milhão em dois anos.
Como os preços foram “referenciados”?
Quando não há outras contratações públicas para balizar o cachê, a prefeitura aceita três notas recentes apresentadas pela produtora. No caso de Davi, as primeiras notas vieram de quermesses patrocinadas pela família Goulart, nas paróquias Santa Maria Goretti e Mãe Esperança, com pagamentos de R$ 24 mil “no intervalo do bingo”.
Posteriormente, as referências passaram a ser de R$ 50 mil–R$ 51 mil, emitidas por empresas como Farol Musical, Apoio Segurança Privada, Sou 7 Produções, Caramelo Cultural e Star World. Os documentos não comprovam o efetivo pagamento.
O que dizem Prefeitura e secretário
A Secretaria de Cultura afirma que “todas as contratações artísticas seguem rigorosamente os critérios legais” e que cada processo inclui “comprovação de valores compatíveis” e “documentação que atesta a consagração dos artistas”.
Rodrigo Goulart informou que seu posicionamento é o da Secretaria de Comunicação e não forneceu contato do primo. Davi Goulart não respondeu às mensagens enviadas pelas redes.
“Artista consagrado” e fiscalização do TCM
Por determinação do Tribunal de Contas do Município, a consagração precisa ser demonstrada com documentos e parecer técnico.
Em todas as contratações de Davi para quermesses — algumas com mais de um show por contrato — a justificativa repetiu textos do site do artista e alegou que ele “está em turnê por São Paulo”. A agenda pública reúne barzinhos na zona sul e eventos do circuito de quermesses.
As notas que serviram de referência para Os Disponíveis fixaram cachê de R$ 35 mil por apresentação. O grupo tem dois ouvintes mensais no Spotify e menos de 4 mil seguidores no Instagram — valor igual ao cobrado por bandas consagradas do forró, como Bicho de Pé (600 mil ouvintes mensais).