Ricupero exclusivo: Bolsonaro tem todos os traços da pessoa autoritária e antidemocrática. Por Paulo Henrique Arantes

Atualizado em 15 de novembro de 2018 às 11:31
Rubens Ricúpero (foto de Ricardo Bastos)

“Foi um grave erro da minha parte. Foi, sem dúvida, como eu sempre tenho reconhecido, um momento em que eu disse muitos disparates, revelei uma face desagradável de vaidade.”

A retratação acima é digna de um homem de princípios. Rubens Ricupero a tem repetido sempre que indagado a respeito de sua fala vazada na Rede Globo, perante o repórter Carlos Monforte, quando era ministro da Fazenda, governo Itamar Franco, e burilava a implantação do Plano Real.

“O que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde”, disse Ricupero na ocasião, sem saber que o sinal da TV estava aberto.

Com a mesma altivez com que se desculpou várias vezes pela frase infeliz, o ex-ministro da Fazenda, ex-ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, ex-secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na Itália e ex-subsecretário-geral da ONU não só declarou voto em Fernando Haddad no segundo turno da última eleição como convocou todas as lideranças democráticas brasileiras a fazerem o mesmo (como se sabe, não foi plenamente atendido).

Na última quarta-feira (14), o DCM conversou com Ricupero sobre dois dos livros de análise política mais repercutidos no momento no mundo inteiro, e quis saber dele se as teorias expostas nas obras, semelhantes na essência, seriam aplicáveis ao Brasil de Jair Bolsonaro.

Os livros são “Como as Democracias Morrem”, dos professores de Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblat, e “Como a Democracia Chega ao Fim”, do filósofo político David Runciman. Ambos são de 2018 e sustentam a tese, mediante constatações factuais, de que movimentos antidemocráticos florescem de modo sorrateiro em vários países, sem uso de armas, mediante subterfúgios constitucionais.

O diplomata citou o estudo “A Crise da Democracia”, de 1975, de autoria de Samuel Huntington, Michel Crozier e Joji Watanuki, que já apontava para o cenário que os dois livros atuais descrevem. E respondeu à indagação com as seguintes palavras: “O que o estudo indicava é que havia em muitos países uma redução na confiança nas instituições, e a confiança nas instituições é o fundamento da democracia. Estamos vendo o fenômeno nos Estados Unidos de Trump, na Itália com esse novo governo, em parte no Reino Unido com o Brexit. Eu acho que Bolsonaro, no Brasil, se encaixa nisso”.

Para Ricupero, Jair Bolsonaro tem todos os traços comuns às personalidades autoritárias e antidemocráticas, algo nítido em suas manifestações ao longo de 28 anos como deputado federal. Pior, ele não está sozinho: “Os filhos dele também, como fica claro nas opiniões que manifestam em público ou em páginas na internet, sobretudo o Eduardo Bolsonaro”, observa.

Ricupero chama à atenção, contudo, para o fato de que Bolsonaro pode estrepar-se caso se iluda com a atual lua de mel pré-governo, quando a imprensa é condescendente, o mercado busca influenciar e o povo reza.

“Ele tem que tomar cuidado para não achar que os votos que teve significam apoio à sua plataforma. Acho que o apoio mesmo não ultrapassa 20% entre as pessoas que votaram nele, o restante votou contra o PT ou porque seus candidatos desapareceram no primeiro turno. Esse grupo não aprovará um governo de vocação autoritária”, adverte.

Além disso, um desvio autoritário mais aberto encontraria barreiras institucionais, acredita Ricupero. Uma delas, o Supremo Tribunal Federal, teria mandado um claro recado ao presidente eleito quando proibiu as ações policiais contra universidades.

“Aquele julgamento no Supremo teve um caráter muito além do episódio em si. Os ministros quiseram mostrar que não compactuariam com nenhum tipo de atentado à democracia”, enxerga Ricupero.

O fato de Jair Bolsonaro estar compondo um governo “um tanto militarizado” requer atenção, segundo o ex-embaixador. Ele não acredita, por outro lado, que as Forças Armadas se sentiriam tentadas a uma aventura autoritária. “Não há clima no mundo para coisas desse tipo”.

De qualquer modo, para Rubens Ricupero, “este período de transição não nos permite esperar muita coisa”.