“River”, uma obra prima no Netflix sobre um policial que vê gente morta. Por Kiko Nogueira

 

Stevie é a melhor parceira que um policial veterano poderia ter. Esperta, atrevida, bem humorada, leal, corajosa. Morta, também, mas isso nunca seria um problema para John River, o antiheroi da melhor série da Netflix no momento.

“River” é amor à primeira vista. O sueco Stellan Skarsgard, ator favorito de Lars Von Trier, interpreta o personagem central, um tira que perde a parceira, assassinada no meio da rua depois de jantar com ele.

Ele é solitário, esquisito, atormentado, competente — e clinicamente louco. Stevie é apenas um dos defuntos com os quais ele conversa.

Esse traço é sua maldição e sua vantagem competitiva. Os monólogos interiores o levam a ter uma sensibilidade mais apurada. Sua taxa de resolução de casos é de 80%.

John River está obcecado em solucionar o homicídio de Stevie e o que, afinal, ele sente com relação a ela. Stevie vem de uma família disfuncional, um dos irmãos foi preso por decapitar um sujeito, o outro é limítrofe.

Os colóquios de River com gente do além não têm nada a ver com coisas do tipo “O Sexto Sentido”. É muito mais um segundo tecido na trama, o plano psicológico. Na cabeça de River, uma lanchonete vagabunda pode se transformar numa discoteca, uma reunião do AA pode ser tomada por um exu que lhe assombra com piadas de duplo sentido.

É um seriado policial que foge completamente aos clichês do gênero. Há violência, traição, suspense, corrupção, ação, sexo, mas com incrível sutileza. O estranhamento se dá através do cenário, também.

Se passa em Londres, mas numa área sem um cartão postal manjado. É o East London, onde ficam os arranha céus de sedes de grandes empresas, o edifício 30 St Mary Axe, ovalado e feio, o Teatro Globe, feito nos moldes de um dos tempos de Shakespeare.

Nenhum dos outros personagens secundários entra apenas para tapar buraco. A chefe de River, Chrissie, com sua vida doméstica deplorável, se revela com o tempo fundamental para se chegar ao fim do mistério. O substituto de Stevie, Ira, faz um esforço enorme para ganhar a confiança de River, eventualmente fingindo que ele é normal.

De perto, ninguém é normal. Skarsgard é um monstro que ilumina a tela. Seu John River é um detetive na tradição do drogado House, mais sofisticado, trocando os opiáceos por antidepressivos e disco music. Seis episódios para fazer uma maratona e se viciar sem medo.

 

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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