Roberto Mendes, o compositor favorito de Bethânia: “O artista deve sair do palco para gritar ‘Fora Temer’ como cidadão”

Atualizado em 14 de julho de 2017 às 7:50

O baiano Roberto Mendes é conterrâneo de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia. Depois de Caetano e Gil, aliás, é ele quem mais compôs para Bethânia.

Compositor e pesquisador, Mendes é aquele tipo de artista que têm suas raízes tão fincadas no solo natal que o fazem produzir uma obra ao mesmo tempo única e universal.

Há três décadas pesquisa a chula, um canto violado que foi declarado obra-prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade. Ele conversou com o DCM sobre música, cultura e política.

DCM: O senhor é autor de muitas músicas gravadas por Maria Bethânia, Magareth Menezes, Daniela Mercury. Qual a importância de Santo Amaro da Purificação em sua obra?

Roberto Mendes: Santo Amaro não é só importante na minha obra mas na obra artística e cultural brasileira. Ainda como vila, na Ata de 14 de junho de 1822, já pedia a independência do Brasil, que veio a acontecer em 07 de setembro do mesmo ano. Mas, culturalmente Santo Amaro teve importância crucial na vida artística brasileira, em meados do século XIX, quando fecha a baía de Benin, vindo pra cá os sudaneses, trazem a viola machete e 3/4 que se juntam ao batuque já existente há 200 anos nessa terra, o cabila, fazendo com que o batuque se tornasse um canto violado. A isso, no recôncavo, se chamou de chula.

O senhor pesquisa a Chula há 30 anos. Fale sobre o gênero.

Na verdade, chula não é gênero nem música. É o comportamento que foi traduzido em canção. O mesmo canto que conduzia o labor diário, na noite, nutria a festa. Podemos até dizer que festa é o orixá da alegria. Esses 100 anos comemorados pelo registro do primeiro samba brasileiro, em dezembro de 1916, é filho de duas baias, a Baía de Todos os Santos, onde ele nasce, e a Baía de Guanabara, onde ele se cria.

E digo isso por que ouço sempre de nobres amigos cariocas, que foi tia Ciata quem levou o samba pro Rio, aos 22 anos de idade. E é fácil entender: se Ciata nasceu em Santo Amaro em 1854 e vai embora em 1876 pro Rio, claro que ela levou dentro da sua alma a bula do recôncavo, que já estava aqui 04 anos antes dela nascer. Falo da chula como canto violado.

O que pensa sobre o momento cultural atual?

Nunca teve momento cultural no Brasil. Nos meus 64 anos de idade não conheço um inventário produzido pela política de governo brasileiro para que se proteja os costumes desse povo, isso só seria possível se no Brasil tivesse política de estado.

O Brasil consegue ser estrangeiro em seu continente, por não falar a língua do continente, e cultua o estrangeirismo em seu próprio país uma vez que um estado não conhece o outro nos seus costumes, sua oralidade, e o que é pior, é que as capitais não representam seus estados. Por exemplo: você acha que Salvador representa a Bahia?

Falando em Salvador, o senhor participa do grupo encabeçado por Paula Lavigne que reivindica a saída de Michel Temer? Qual a importância da classe artística diante do momento político atual?

Não participo de nenhum grupo artístico embora, como cidadão, penso e faço campanha “Fora Temer” sem palanque nem palco para dizer isso.

Muitos artistas, sobretudo de TV, apoiaram o impeachment de Dilma e agora pedem ‘Fora Temer’, numa clara demonstração de falta de politização. Um artista despolitizado pode ser considerado um artista?

Embora eu ache que o artista seja porta-voz do desejo popular não acredito que se precise, nesse momento, da voz do artista como artista e sim do artista e de todas as classes como cidadãos.

Lobão tem criticado a tudo e a todos e nunca poupou desaforos contra Caetano, Gil, Bethânia, Chico Buarque. O rock nacional é de direita?

Conheço a história de Caetano, Gil, Bethânia, Chico Buarque, aliás, todos conhecem. E a de Lobão, quem conhece?

Por que não surge, atualmente, um movimento revolucionário se estamos em meio a um momento conturbado em todos os sentidos?

As variantes que compõem a unidade política do estado brasileiro alimentaram a clandestinidade falindo o estado de direito. E aí, onde está a dignidade, a ética, a moral? Agora fica difícil, que tipo de revolução podemos criar? Pergunto-me sempre.

A cultura está sendo desidratada financeiramente pelos atuais governos, sobretudo o federal. O presidente Michel Temer assim que assumiu extinguiu a pasta da Cultura e depois, mesmo voltando atrás, permaneceu menosprezando-a.

Seria um absurdo esperar de Temer qualquer política cultural. Não é da sua herança trabalhar com dignidade e vergonha. A cultura brasileira não lhe cabe. Fora Temer!

O Brasil é um país que só tem olhos para fora?

Isso é coisa do Brasil oficial. O Brasil real não chegou ao Brasil e nem se mistura. Essa coisa da importação de clave está mais ligada às capitais brasileiras e às grandes cidades do Brasil, que são reflexo do academicismo. A sorte do Brasil real é que a razão não conseguiu e não consegue desvendar os mistérios da oralidade. Viva a cultura brasileira.