Roberto Carlos quer fazer você dormir de novo. A sorte é que os Stones não deixam

Atualizado em 16 de outubro de 2012 às 21:42

Nem o furdúncio de Jagger e Richards consegue tirar o Rei de seu sono eterno

Zzzzzzzzz...

Só para deixar claro: eu sou fã do Roberto Carlos. Não era. Até o dia em que meu amigo Otávio Dias me apresentou o Rei, comme il faut, nos anos 80. Otávio tinha uma coleção antiga de seu pai e colocou para tocar o clássico álbum O Inimitável, de 1968. Era o primeiro de RC depois de deixar o programa Jovem Guarda. Um artista maduro nos temas, no jeito de cantar, no som que fazia. Inquieto. Havia coisas de cortar os pulsos, como As Canções Que Você Fez Pra Mim e Não Vou Mais Deixar Você Tão Só. E havia o soul arrasa-quarteirão de Não Há Dinheiro Que Pague, em que uma banda com metais incríveis abria espaço para sua voz rasgada e sua influência de James Brown. Roberto fez mais algumas obras primas até meados dos anos 70, quando estacionou seu calhambeque no acostamento das fórmulas fáceis e, eventualmente, patéticas. Mas já ocupara o posto de maior cantor popular do Brasil. Gênio.

Ele acaba de lançar trechos de duas novas músicas, Esse Cara Sou Eu e Furdúncio. Eu tentei justificar o homem: ele trabalha para o público dele, para a plateia dele, é bobagem cobrar um cara que já fez tantas maravilhas, ele é um senhor de idade etc. Mas ouvi de novo, tentando encontrar qualquer sinal — qualquer — de excelência, de novidade, de qualidade estética (por mais subjetivo que isso seja). Francamente. Não achei nenhum. Textualmente: são duas porcarias.

A primeira tem isso: “O cara que ama você do seu jeito/Que depois do amor você se deita em seu peito/Te acaricia os cabelos, te fala de amor/Te fala outras coisas, te causa calor”. A segunda, parceria com Erasmo, é um funk melodioso: “Quando ela chega é um furdúncio adoidado/E todo mundo quer ficar do seu lado/Às vezes não quero sair mas eu saio/Do que é meu eu cuido e não me distraio”. Eu me pergunto: por que Roberto não tenta algo diferente? Funk melodioso é o melhor que ele pode fazer? De onde veio a ideia infeliz de usar o termo “furdúncio”, pelo amor de Deus? Por que ele não se mira em outros nomes de sua geração, como, por exemplo, os…

Rolling Stones. Os quatro sobreviventes puseram na web Doom and Gloom, na íntegra, a única inédita na coletânea Grrrrr, que sai no fim do ano. Como no caso de Roberto, são os Stones de sempre: Keith Richards continua replicando aquele riff, Charlie Watts batucando a bateria chá-com-pão, Ronnie Wood fazendo basicamente nada. Mas as semelhanças terminam aí. Doom and Gloom tem energia para levantar os mortos. Jagger está na ponta dos cascos cantando a letra divertida sobre zumbis. O vetusto New Musical Express definiu a música como “uma Gimmie Shelter para a geração Wii”.

Roberto tem 71 anos, contra 69 de Jagger e Richards. Mas o brasileiro faz música para velhos. Ambas as suas canções poderiam estar em qualquer LP seu dos soporíferos anos 90. É para dormir, não é para acordar. Não acontece nada. Ele joga na retranca, esperando ganhar em cima de quem compra seus discos inercialmente (com a pirataria, cada vez menos gente, aliás). Elas vão para a trilha da nova novela. Você pode argumentar que o Rei não precisa provar mais nada. Não precisa nem vender. Mas, se é assim, por que ele se dá ao trabalho? E, se é assim, por que não aproveita para dar um susto?

Em Doom and Gloom, a essência dos Rolling Stones está lá — voz, duas guitarras, bateria. Mas há uma preocupação na produção de Don Was em fazer com que ela soe atual, como qualquer banda em atividade: poderosa, vigorosa, vivaz. Claro que isso não é à toa: eles querem gente nova para consumir seus produtos, eles querem mercado, eles querem lotar os quatro shows em novembro e dezembro.

Roberto quer um Natal tranquilo com suas manias. Nem o furdúncio de Mick Jagger e Keith Richards será capaz de acordá-lo de seu sono eterno.

A arte de envelhecer fazendo os outros pularem