Rota matou quase o dobro de pessoas em 2019, ano 1 dos governos Doria e Bolsonaro. Por Felipe Mascari

Atualizado em 8 de fevereiro de 2020 às 18:08
ROTA. Foto: Wikimedia Commons

Publicado originalmente pela Rede Brasil Atual:

POR FELIPE MASCARI

A Rota foi responsável por 104 mortes de pessoas em 2019 – aumento de 98% na comparação com o ano anterior, quando o batalhão foi responsável pela morte de 51 civis. Os dados são do relatório da Ouvidoria das Polícias de São Paulo, apresentado nesta quinta-feira (6) na capital paulista.

O sociólogo Benedito Mariano, ouvidor da Polícia de São Paulo, acredita que o sentimento “justiceiro” de parte da população influencia diretamente no trabalho da Rota. “É o batalhão mais sensível à influência do senso comum de que ‘bandido bom, é bandido morto’. Eles são influenciados pela onda conservadora que permeia São Paulo e o país inteiro”, afirmou ele, durante entrevista coletiva concedida na manhã desta quinta-feira (6).

O relatório mostra que entre 2018 e 2019 a letalidade de policiais em serviço aumentou em 12%. No ano passado, eles foram responsáveis por 867 mortes de civis, sendo 845 relacionadas à Polícia Militar. Segundo a Ouvidoria das Polícias, a maioria dos casos investigados termina sem punição.

Mariano alerta que 99% das mortes em decorrência de ação policial têm como vítimas moradores da periferia. “O motivo que mais dialoga com a letalidade é o policial que enfrenta inimigo, que tem cor e endereço. A letalidade não é aleatória e 99% são pobres e 65% são jovens negros. Esse é o perfil dos mortos”, afirmou.

O ranking dos batalhões que mais mataram no ano passado, encabeçado pelo 1º Batalhão do Choque, a Rota, é seguido pelo 2º Baep – Santos, com 30 mortes; o 28º BPM/M, na zona leste da capital, com 22 mortes; e o 16º BPM/M, na zona oeste de SP, com 20.

Recomendações

O Relatório Anual de Prestação de Contas da Ouvidoria também traz números sobre quatro tipos de reclamações sobre as polícias: a má qualidade no atendimento, o abuso de autoridade e a solicitação de intensificação de policiamento, além da taxa de letalidade.

Em 2019, foram apresentadas 848 denúncias de abuso de autoridade relacionadas às polícias. Do total, 714 (84%) envolvem os policiais militares e 113 são casos relativos a policiais civis. A região sul da capital paulista é a origem do maior número de denúncias: 71.

O estudo diz que é preciso uma “definição de novos protocolos” relacionados à abordagem policial. Benedito Mariano acrescenta que o principal caminho para reduzir a letalidade é concentrar a investigação de mortes de civis na Corregedoria da PM. “É inaceitável que apenas 3% de mortes de civis sejam investigadas pelo órgão que tem expertise para isso”, disse. “Batalhão de área é para fazer policiamento, não a função de Polícia Judiciária”, explicou, acreditando em uma diminuição de até 50% na letalidade caso a medida seja aplicada.

Os policiais também são vítimas do trabalho. No ano passado, foram registrados 23 casos de suicídio de policiais militares – menor que as 36 ocorrências registradas em 2018. Entretanto, Mariano afirma que o estado de São Paulo negligencia, historicamente, a saúde mental dos policiais. “A Polícia Civil nunca teve um programa de saúde mental. Nem 30% do efetivo da Polícia Militar é atingido pelo programa. É um dos problemas mais graves o suicídio policial, que é cinco vezes maior do que a média da população de São Paulo.  Vale lembrar que a letalidade policial, que é alta, não dialoga com o suicídio policial, pois 84% dos policiais que se suicidaram, entre 2017 e 2018, não tiveram uma ocorrência com morte”, acrescentou.

Recondução no cargo

O advogado Elizeu Soares Lopes foi o escolhido do governador João Doria (PSDB) para ser o novo ouvidor das Polícias de São Paulo. Ele ficará no cargo pelos próximos dois anos, no lugar de Benedito Mariano. A nomeação foi publicada no Diário Oficial nesta quinta-feira.

Benedito, que estava presente na lista tríplice apresentada pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), não foi escolhido, e é a primeira vez, em 25 anos da ouvidoria, que o atual ouvidor não é reconduzido ao cargo. Na avaliação de Mariano, sua exclusão se dá pelo fato de ter feito um trabalho atuante no cargo.

“Havia uma expectativa para eu ser reconduzido por ter sido votado, por unanimidade, pelo Condepe. Eu não fui reconduzido pelo que fiz, em uma ouvidoria atuante, que dialoga com a sociedade e as polícias. Foram os dois anos de maior atuação do órgão”, afirmou ele, que contou ter recebido o apoio da Secretaria de Segurança Pública e do comando das duas polícias de São Paulo.

Apesar de respeitar a decisão do governador, Dimitri Nascimento Sales, presidente do Condepe, acredita que a decisão se insere num contexto de disputa política na Assembleia Legislativa de São Paulo. “Há dois projetos de lei em tramitação, um que quer extinguir a ouvidoria e outro que quer acabar com o Condepe. Nesse contexto, a decisão de Doria tem a ver com a disputa política interna dentro da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), com a bancada da bala, sobre a autonomia dos dois órgãos”, disse.

Para ambos, o trabalho da Ouvidora das Polícias incomoda setores conservadores da Assembleia, principalmente pelo posicionamento no massacre de Paraisópolis, que deixou nove mortos. “Houve uma reação muito forte dos deputados ligados às polícias de São Paulo, no sentido de não configurar as mortes como decorrência da intervenção policial. No nosso entendimento, foi decorrente de uma ação desastrosa da Polícia Militar e esse fato gerou atrito entre parlamentares e o Doria. Então, o governo parece atender uma pressão da bancada da bala e sacrifica o nome do ouvidor”, acrescentou Dimitri.