
A prática do “shifting”, que ganhou popularidade entre jovens nas redes sociais, especialmente no TikTok, permite que seus adeptos “mudem de realidade” por meio de técnicas de visualização e meditação. Uma estudante de antropologia, de 22 anos, que preferiu não se identificar em entrevista ao Globo, foi uma das pessoas que encontrou no shifting uma forma de reconectar-se com crenças ancestrais Yanomami sobre a capacidade de viajar para outras realidades através dos sonhos.
“Não se trata de um sonho lúdico, mas, de fato, ir para outra realidade para se comunicar com as entidades da floresta”, explicou.
A prática, que se popularizou durante a pandemia de 2020, ganhou força entre jovens que buscavam uma maneira de escapar do confinamento. Com fanfics e vídeos de personagens como Draco Malfoy, da saga “Harry Potter”, dominando o TikTok, o “shifttok” — uma comunidade dedicada ao tema — floresceu.
“Surgiram vários edits do Draco Malfoy e as pessoas começaram a se interessar mais e mais pelo universo de Harry Potter”, contou outra estudante, de 18 anos, que descobriu o shifting durante a quarentena.
“Quando você shifta, você realmente se sente em outra realidade e sente toques, gostos. O que não acontece em um sonho normal”, explicou outra jovem que, assim como as demais, não quis se identificar. Ela contou ao Globo que usa métodos de relaxamento profundo e escreve roteiros detalhados, chamados de scripts, para criar as experiências que deseja vivenciar na realidade alternativa. “Eu planejo tudo, desde o cenário até quem eu vou encontrar, e quando durmo, vou para essa realidade”.
Os universos mais comuns entre os shifters incluem séries como “The Walking Dead” e filmes da Marvel. A estudante de 18 anos, por exemplo, se projeta em uma versão do universo de “The Walking Dead”. Antes de dormir, ela escreve no script que não será atacada por zumbis e decide com quem deseja interagir. “Eu decido quem quero encontrar e o que vai acontecer”.

No entanto, a prática também atrai críticas. Algumas pessoas acreditam que o shifting é uma forma de escapismo extremo, uma tentativa de fugir da realidade ou insatisfação com a própria aparência. Uma dessas jovens refuta essas críticas, dizendo que muitos adeptos sofrem preconceito. “Se a pessoa visa a fugir da realidade, é importante resolver essas questões na terapia. Não é escapando que elas vão encontrar a saída”, afirmou.
Ela também compartilha que apagou vídeos sobre o tema após receber comentários ofensivos, como “vá para o CAPS [Centro de Atenção Psicossocial]”. Para ela, a prática é algo sério, não um motivo de piada.
Fernanda Calvetti Corrêa, psicóloga especializada em psicologia analítica, estuda o fenômeno e alerta sobre seus possíveis riscos. “A maior contra-indicação é para quem acredita que a realidade desejada é a que deve ser vivida e experimentada como solução para problemas, ficando viciado em abraçar essa idealização e fugindo da realidade dela”, explicou a psicóloga.
Ela acrescenta que pessoas emocionalmente vulneráveis que desejam “ir e não voltar” podem ser especialmente prejudicadas pela prática. Ainda assim, Corrêa reconhece que o shifting não precisa ser encarado como algo negativo, desde que os limites entre realidade e fantasia sejam claros.
“As pessoas precisam entender que elas também foram imaturas e se apegaram a temas específicos em sua juventude”, comentou. Segundo ela, a prática em si, embora sem comprovação científica, não é problemática se não interferir na vida cotidiana dos praticantes.
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