Saiba quem é Eduardo Moreira, o brasileiro que passou de banqueiro a porta-voz dos Sem Terra

Atualizado em 18 de maio de 2020 às 14:04
Economista Eduardo Moreira. Foto: Reprodução/DCMTV/YouTube

Publicado originalmente no Diário de Notícias

POR JOÃO ALMEIDA MOREIRA

Tem gente de Massachussetts? Que legal. Da Nigéria? Mais legal ainda, cara”, diz Eduardo Moreira, no início de mais uma das suas aulas online, com cerca de 15 mil alunos de todos os cantos do mundo. O tema da lição do dia é o risco de investir em produtos financeiros vendidos como milagrosos.

Os comentários laterais dos estudantes são sintomáticos da popularidade do economista natural do Rio de Janeiro, que trocou uma vida lucrativa e de sucesso no mercado financeiro por outra, menos lucrativa mas ainda mais bem sucedida, a denunciar os embustes desse mesmo mercado. “Eduardo para ministro da economia”, diz um, “Eduardo para senador”, afirma outro, “#forabolsonaro”, clamam uns quantos.

Eduardo Moreira, 44 anos, aceita falar com o DN sobre a sua improvável caminhada, de obcecado pelo lucro, na juventude, a defensor intransigente da igualdade, na maturidade, entre duas lives, no seu canal no Youtube, uma com a ex-candidata presidencial e ambientalista Marina Silva, outra com deputados federais do PT, o partido de Lula da Silva com quem dialogou no mesmo espaço na semana anterior.

“Eu sou da classe média, média alta do Rio, de um bairro caro, a Urca, sem amigos negros na infância, estudei em colégios particulares e em faculdade privada e depois estive 20 anos no mercado financeiro: ou seja, mais bolha impossível”, começa por recordar.

“Em 1995, entretanto, por causa de um problema financeiro do meu pai, precisei de uma bolsa na universidade e a única forma de a obter era entrando num projeto de engenharia numa favela. Aí eu descobri que não conhecia o Brasil: para mim a imagem de favela era tráfico, bandidos e milícias, ora esses poderes paralelos existem, claro, mas existem sobretudo milhões de pessoas com falta de saneamento básico, por exemplo”.

Essa experiência foi a primeira de três que contribuíram decisivamente para a mudança de perspetiva de vida de Eduardo, formado em engenharia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio e com certificado de economia da Universidade da Califórnia.

“O meu objetivo até então era ser rico, ser um troféu para os meus pais, o que não quer dizer que fosse insensível, esse lado mais social já estava presente em mim, até escrevi um livro aos 17, publicado aos 21, cujo lucro total dos 1000 exemplares vendidos reverteram para um orfanato de uma freira amiga, mas o lado da competitividade capitalista estava muito mais presente”.

Foi sócio responsável pela área de tesouraria para a América Latina do Banco Pactual, o maior banco de investimentos do país, fundou a empresa Brasil Plural e criou a marca Genial Investimentos. “Uma carreira de relativo sucesso”, descreve.

“Mas comecei a perguntar-me de onde vem o dinheiro? Se eu perguntar hoje às maiores inteligências e fortunas da área empresarial e financeira do Brasil todos responderão erradamente que vem do trabalho e do suor deles. Não é!”

Parêntesis para contar outro momento decisivo na jornada de Eduardo.

Depois de passar seis meses em fisioterapia após grave queda de uma égua, conheceu o lendário domador de cavalos americano Monty Roberts, criador de um método de treino de animais sem recurso à violência e amigo da rainha da Inglaterra Isabel II.

Moreira aprendeu o método de Roberts e escreveu um livro chamado “Encantadores de Vidas”, que se tornou sucesso internacional. Ao ponto de se tornar o primeiro brasileiro condecorado pela rainha, no final de um jogo de polo, no Castelo de Windsor.

“Fiquei muito feliz e ainda me correspondo com ela, através do Monty”, congratula-se.

O método de adestramento de cavalos sem violência levou-o a viajar pelo Brasil para falar sobre o conceito de “não violência” – “porque violência é mais do que bater é não permitir, por exemplo, que o jovem da periferia, da comunidade, seja aquilo que quer ser, que sonhou ser”.

Voltando à economia, em 2015, nova experiência importante. Passou por problema grave de saúde na sequência de uma cirurgia mal-sucedida, perdeu 12 quilos e foi internado. No hospital recebeu ligação do caseiro da sua casa a informa-lo que teria de faltar ao trabalho por causa das dores insuportáveis da filha, a enfrentar uma apendicite.

No dia seguinte, Eduardo ligou a saber da menina mas o caseiro disse-lhe que ela não tinha sido ainda atendida.

“Como assim?”, perguntei. Ele esteve 24 horas na mesma cadeira à espera que a pessoa que ele mais ama fosse atendida, enquanto eu estava numa cama de hospital com médicos, enfermeiros, TV plasma e ar condicionado só por ter um plano médico de saúde?”.

“Num momento de sofrimento, e eu estava mesmo mal, perguntei-me “porque eu, que trabalho bastante mas trabalho menos do que o meu caseiro, tenho direito a isto e ele não?”, e perguntei-me também “quem, afinal, me paga o plano de saúde?”. Cheguei à conclusão, fazendo o fluxo do dinheiro, que era ele, o caseiro, que me pagava, cheguei à conclusão, no fundo, que o Brasil é um Robin Hood às avessas”.

Teve a ideia então de escrever um livro a denunciar esse sistema. Mas os sócios do seu banco disseram-lhe: ou o emprego ou o livro.

Meses depois, “O Que Os Donos do Poder Não Querem Que Você Saiba” estava nas bancas. E o autor, sem emprego.

“Estudei então bastante a questão da desigualdade, e, depois, para sobreviver, pensei em dar aulas para ensinar as pessoas comuns, de fora do mercado financeiro, a protegerem-se de bancos, a entender as corretoras, as taxas e as tarifas, as receitas, o património e a fugir das fórmulas milagrosas de enriquecimento que só as empobrecem e enriquecem outros”, aquilo que faz hoje afinal em animadas lives assistidas do Massachussets à Nigéria.

Entre aulas e acampamentos

Vive das aulas – 95% dos seus alunos não pagam e os 5% que se querem aprofundar pagam e acabam por financiar o estudo dos outros – e investe tempo em acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, um projeto de ativismo social a favor da reforma agrária, e Quilombos, comunidade de descendentes de escravos.

O mínimo que fica nesses acampamentos é uma semana: “Eu não vou para visitar, porque eu acho que visitar é ofensivo. Como se você estivesse num zoológico, eu nunca vou sentir o que um negro sofre no Brasil mas posso chegar o mais próximo possível de ser uma escuta verdadeira”.

Quando o acusam de ser um oportunista, responde que é “um oportunista do fracasso”. “Se sou um oportunista, então sou um oportunista meio maluco”, disse em entrevista ao jornal Sul21, argumentando que se ministrasse aulas sobre como investir ao eleitor padrão de Jair Bolsonaro em vez de dar aulas gratuitas a ensinar os menos privilegiados a não cair nas armadilhas do mercado financeiro ganharia muito mais dinheiro.

Sobre as acusações de que visa seguir carreira política, nega. “As pessoas querem achar uma maneira de derrotar a minha caminhada. Só que hoje eu não posso ser mandado embora porque não sou empregado de ninguém, eu não posso perder patrocínios porque não aceito patrocínios de ninguém e eu não posso perder votos porque não sou candidato a nada. Como vão derrotar-me? A única coisa que sobra é partir para essa história dos grupos conservadores de direita de me difamar, de falar que eu sou isso, que eu sou aquilo”.

Tem, no entanto, preferências políticas assumidas e declaradas: “Sou um revolucionário mas, se nos limitarmos ao possível, sou um social-democrata, sou de esquerda. Tenho preferência pela social-democracia verdadeira, a que defende a distribuição de rendimentos, a universalização da saúde e da educação, não o PSDB brasileiro [de Fernando Henrique Cardoso e outros], que é de direita”.

E na corrida presidencial para 2022, já a aquecer, quem escolhe? “Tendo em conta os nomes que estão aí no jogo, e partindo do princípio que o Lula já disse que não quer candidatar-se, acho excelentes, e parecidos, os nomes do Fernando Haddad [candidato pelo PT em 2018], do Flávio Dino [governador do Maranhão] ou do Ciro Gomes [candidato pelo PDT em três ocasiões], que é dos três de quem sou pessoalmente mais próximo”

“Se eles se devem juntar? Talvez não, porque os que não são do PT são bons para apontar os erros do PT, que é, por sua vez, o maior partido do Brasil, agora acho que se devem entender e não autodestruir, defendo a coordenação de todos à esquerda mas não necessariamente a união numa só candidatura”.

Sobre Bolsonaro, fala em “características de sociopatia” e em entrega do poder ao capital. “Normalmente, os donos do capital têm representantes no poder executivo, com Bolsonaro eles entraram no poder executivo sem intermediações, sem filtros, o ministro da economia é o banqueiro Paulo Guedes, os presidentes dos bancos públicos são banqueiros vindos do privado…”

“Além disso, Bolsonaro tem traços de sociopatia, a forma como ri da morte, não só as mortes por causa da ditadura mas também agora as mortes por causa do covid-19, ele não tem compaixão, não tem empatia, não se solidariza, não abraça, não lidera o grupo que deveria liderar, ele mata o grupo”.

Segundo Moreira, o presidente brasileiro “move-se a ódio”. “Se por um acaso esse sentimento fosse abolido do mundo, ele teria 0% nas intenções de voto”.