Saída da crise requer outro governo, diz FHC. ‘O que está aí não tem noção’

Atualizado em 24 de junho de 2021 às 22:23

 

Publicado originalmente na Rede Brasil Atual

Entrevistado de Juca Kfouri no programa Entre Vistas desta quinta-feira (24), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirma que um governo precisa ter olhos a quem mais precisa. “Um governo não pode desdenhar dessa condição”, diz, ao responder questão enviada pelo líder do MST João Paulo Rodrigues. O dirigente quis saber que agenda comum uniria diferentes forças políticas na formação de uma possível frente contra o bolsonarismo. Um dos pontos muito presentes na entrevista de FHC, com trechos disponíveis também no canal da TVT no YouTube, foi a valorização de uma unidade entre diferentes. E que tenha como centro a democracia e como meta o olhar para os mais frágeis, os que mais precisam de um governo, durante e depois da pandemia.

Teria sido esse o ponto de convergência entre ele e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em encontro recente ocorrido na casa do ex-ministro de ambos, Nelson Jobim (da Justiça, no governo tucano, e da Defesa, no governo petista). Para o entrevistado, o encontro teve o “simbolismo” de reunir pessoas que divergem na vida política, mas não divergem nas questões fundamentais da democracia. “Agora é hora para isso: temos que estar juntos. Tanto o Lula quanto eu somos democratas, cada um a seu modo. Há um cheiro de perigo no ar e precisamos estar juntos. Não precisamos estar juntos desde já. Na hora H vamos estar juntos pela defesa da democracia”, afirmou.

De acordo com Fernando Henrique, Lula “tem qualidades”, foi capaz de se fazer representar perante a maioria que o elegeu e fazer com que a voz do Brasil fosse ouvida externamente. “Você não pode, na condição de um presidente de um país como o Brasil, só dizer amém aos que mandam (disse em referência a Bolsonaro). É preciso ter voz. O Lula foi capaz de fazer isso”, assinala, sem no entanto deixar nas entrelinhas pontos de divergência.

Ao mencionar aspectos de gestão, FHC acentua que a economia globalizada que rege o mundo não permite acreditar que haverá crescimento econômico “só com expansão do mercado interno”. Mas admite, por outro lado, que não se pode esquecer do mercado interno “também”, nem do papel dos salários, nem do trabalho de quem está no campo. “Tem que ter sensibilidade social”, resume.

Essa sensibilidade seria um dos atributos ausentes no atual ministro da Economia, Paulo Guedes. “Trata-se uma pessoa que não sabe que na vida econômica, povo conta. Ele acredita nos técnicos dele e tal, mas me parece meio perdidão, outsider, fechado. O Brasil não é assim. Ele precisa ter capacidade de entender, mas não entende.”

Quando a diretora do Sindicato dos Bancários de São Paulo Rita Berlofa pergunta como reconstruir um país que voltou ao mapa da fome, com aumento da desigualdade, do desemprego e da informalidade, o ex-presidente vai ao ponto. “É preciso recompor confiança. Precisa eleger um presidente que seja expressão de um sentimento popular mais rigoroso, e que mostre que tem caminho para o Brasil. Eu não acredito que os militares estejam preparando qualquer golpe. O que temos é um presidente que não tem noção da cadeira onde ele está. A saída vai precisar de um novo governo”, afirma. “Governo tem que ter lado, e o lado da maioria.”

Durante a entrevista, FHC revela que, na condição de presidente, fez uma visita informal a uma ocupação de trabalhadores sem-terra em área próxima à propriedade de sua família no interior de Minas Gerais. “Eu fui sozinho, com o motorista. Queria ver como estavam morando. Entrei na casa de uma senhora, uma cabana. Eu precisava ver de perto. Não sou favorável a uma ocupação, mas era uma realidade. E as pessoas têm que ver de perto como é.”

Ao falar de exemplo de estadistas – depois de ter mencionado o respeito a Lula –, cita a ousadia inovadora de Juscelino Kubitschek e faz menção honrosa até mesmo a Getúlio Vargas. Isso apesar de já ter expressado o desejo de “enterrar a era Vargas”, que Fernando Henrique reconhece que era um chefe de nação, que se dirigia sempre aos “trabalhadores do meu Brasil” e que, portanto, tinha um propósito representativo como governante.

FHC lembra ainda, ao interagir com o ex-ministro dos direitos humanos Paulo Sérgio Pinheiro, do empenho de cada governo posterior à democratização, na construção de um Estado de respeito aos direitos humanos. E critica, em outra passagem, a decisão de Sergio Moro de ingressar no governo de Jair Bolsonaro. “O que ele fez foi inapropriado. Perdeu a aura de magistratura e não ganhou aura de líder político.”

Provocado por Juca Kfouri sobre se seria o atual momento do país o pior já vivenciado por Fernando Henrique Cardoso, do alto de seus 90 anos recém-completados, o ex-presidente afirma que o atual momento só é superado, em sua lembrança, pela Segunda Guerra Mundial. “Morreram milhares de pessoas. Meu pai era militar, então eu seguia a guerra como se fosse uma experiência vital. Enfim, a guerra foi uma tragédia muito grande”, recorda FHC, no início da entrevista. E arremata: “Dificilmente houve uma outra época fora essa que eu mencionei, da guerra, tão dramática como a que estamos vivendo agora.”

Para ele, o Brasil precisa de um novo governo, “que reacenda em nós a crença no país e, ao mesmo tempo, que aqueles que mais precisam, que são os mais pobres, tenham a crença de que o governo será solidário com eles, na prática”, afirma. “É possível. Já foi feito. Houve momentos em que o Brasil melhorou.”

Confira íntegra da entrevista de FHC