
A decisão correta do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), de proibir o pagamento de emendas orçamentárias indicadas pelos deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ), que fugiram para os Estados Unidos e estão faltando ao trabalho, é um ato de fiscalização dos gastos públicos e de defesa da lisura administrativa. Mas ajuda a explicar o porquê da decisão de outro ministro, Gilmar Mendes, de tornar mais difícil do que é hoje o impeachment de membros da corte.
Este texto não está passando pano para Mendes. Qualquer marmota que saiba ler pode ver meu texto de ontem, no qual fui crítico à liminar que ele concedeu. O que discuto aqui é o cenário que está por trás das mudanças. E sim, é inegável que há parlamentares que querem a cabeça de ministros que cumprem suas funções constitucionais.
Uma pequena parte dos parlamentares quer vingança pela condenação no STF de Jair Bolsonaro, generais e outros militares e um rosário de civis pela tentativa de golpe de Estado. Mas outra, bem maior, composta principalmente de personagens do centrão, deseja se precaver pelo que ainda vem pela frente: processos por desvios de bilhões em emendas em meio à esbórnia do orçamento secreto. E o relator desses inquéritos é exatamente Dino.

Os ministros do STF estão preocupados de que sofram impeachment por políticos insatisfeitos com decisões do tribunal. Eles têm um ponto. Um membro da corte não deveria ser cassado devido à perda de sustentação política. Caso contrário, a Justiça tende a começar a abraçar um populismo perigoso ao invés de seguir a lei.
“Os 81 pedidos evidentemente são um óbvio excesso, basta lembrar que o campeão é Alexandre de Moraes, que responde por mais da metade dos pedidos. Então, ou se cuida de um serial killer ou de alguém que é vítima de perseguição e chantagem”, afirmou hoje Flávio Dino no Fórum Jota Segurança Jurídica.
É possível que, ao final, a decisão de Mendes seja amenizada, seja no julgamento a ser realizado em plenário virtual entre 12 e 19 de dezembro pelos demais ministros, seja por articulação no próprio Congresso Nacional em reação a polêmica. Uma construção que, por exemplo, exija dois terços dos votos e não apenas maioria simples para que um ministro seja afastado para julgamento.
Independentemente de concordar ou não com a decisão de Mendes, e eu discordo, muito por excluir pedidos de origem popular ao concentrar o início do processo na Procuradoria-Geral da República, todo esse furdúncio também chama atenção para o fato de termos banalizado o impeachment no Brasil. E isso desde a cassação de Dilma Rousseff, que, sejamos honestos, caiu por perda de sustentação política, não por medidas que, aliás, foram adotadas por seus sucessores sem que a sociedade se comovesse.
O jogo de Gilmar vem na esteira do jogo de Davi Alcolumbre, que pune o governo porque Lula não quis indicar seu preferido ao STF. E do jogo dos parlamentares bolsonaristas que ameaçam o Brasil em nome da impunidade aos golpistas.
Ou as instituições põem a bola no chão e recomeçam o jogo, sem ameaças de viradas de mesa, ou vamos continuar a ver dedo no olho e gritaria. E pela quantidade de gente que fez safadeza com emenda no Congresso, vai ser muito dedo no olho e gritaria quando os julgamentos começarem.
Publicado originalmente em UOL