
Por Leonardo Sakamoto, no UOL
De onde não se espera nada é que não vem nada mesmo. Faltaram 30 votos para cassar o mandato de Carla (PL-SP), condenada por invadir o Conselho Nacional de Justiça e lá plantar mandados falsos, além de perseguir, com uma arma na mão, pelas ruas de São Paulo, um homem com o qual havia discutido política na véspera da eleição de 2022. A deputada está presa na Itália, para onde fugiu a fim de não cumprir pena, e aguarda o resultado do julgamento de sua extradição.
Dessa forma, atropela a ordem do STF, que havia condenado a parlamentar também à perda do mandato.
A Câmara dos Deputados não tem nenhum sentimento especial por ela. E mesmo o bolsonarismo, grupo do qual faz parte, a usa quando lhe convém para embasar sua narrativa, mas também não morre de amores. O próprio ex-presidente, outro condenado — mas por tentativa de golpe de Estado —, já disse que ela atrapalhou sua reeleição com a perseguição armada.
O que os deputados fizeram foi por amor a si mesmos, mandando uma resposta corporativista ao Supremo Tribunal Federal. A Corte vai começar a julgar em 2026, sob a relatoria do ministro Flávio Dino, os desvios de grana de emendas parlamentares através do orçamento secreto e outras safadezas. E, se Polícia Federal, Procuradoria-Geral da República e STF forem até o final, muita gente vai rodar.
São bilhões em grana, em tese destinada ao bem da base dos parlamentares, mas que também virou caixa 2 de campanha ou coquetel de camarão em festa particular. Não à toa, ministros do Supremo temem sofrer impeachment quando a coisa começar a feder.
A deputada ainda pode perder o mandato por faltas, mas o recado já está dado.
Até compreendo que uma parte da Câmara goste de condenados por tentativa de golpe de Estado; afinal, isso é disputa de poder político ou simbólico. Contudo, ressalte-se: a Câmara já mostrou que também gosta de condenados por outros crimes.
Por muito pouco, os deputados não derrubaram a decisão do Supremo Tribunal Federal de prender Chiquinho Brazão, acusado de ser um dos mandantes da execução da vereadora Marielle Franco. Em abril de 2024, foram apenas 20 votos a mais do que o necessário para mantê-lo atrás das grades. A dignidade do Parlamento passou raspando.
Para uma Câmara que se vê como punitivista, ela coleciona muitos condenados de estimação. Com a votação de ontem, muitos parlamentares podem dizer, orgulhosamente, que são cúmplices do arrombamento da Justiça.
O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), contumaz crítico da roubalheira com as emendas parlamentares, foi salvo na última hora de uma cassação por ter agredido um ativista de extrema-direita. A punição exagerada tinha cheiro de vingança de líderes do Centrão. Mesmo assim, pegou um gancho de seis meses, enquanto Zambelli, não.
O presidente Hugo Motta havia dado, no dia anterior, um mata-leão no deputado ao mandar a polícia legislativa retirá-lo à força de sua cadeira, onde realizava um protesto. Jornalistas levaram porrada dos agentes de segurança por cobrir tudo, e o sinal da TV Câmara foi cortado. Quando a ocupação da mesa foi com a direita, Motta só faltou enviar cookies. A Câmara tem donos, mas não é o povo.
ABSURDO! Hugo Motta mandou a Polícia Legislativa retirar Glauber Braga para fora do plenário com violência, o mesmo Motta que foi conivente e omisso quando a Câmara foi sequestrada por golpistas bolsonaristas.
SEM ANISTIA
SEM DOSIMETRIA
CHEGA DE IMPUNIDADE
O BRASIL QUER… pic.twitter.com/QQIPSpFRlM— Lázaro Rosa 🇧🇷 (@lazarorosa25) December 9, 2025