Sakamoto: Após megaoperação revelar PCC na Faria Lima, o crime vai usar coletinho?

Atualizado em 28 de agosto de 2025 às 11:58
Viaturas da polícia em frente ao Plaza Iguatemi, na região da Faria Lima – Foto: Reprodução

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

O PCC pode ter nascido dentro dos presídios, mas há tempos ele não está apenas em vielas escuras, mas ocupa poltronas confortáveis em gabinetes com ar condicionado. Uma megaoperação, nesta quinta (28), escancarou um novo patamar de sofisticação: a infiltração do Primeiro Comando da Capital no coração do sistema financeiro nacional, a região da avenida Faria Lima, em São Paulo.

A imagem de uma busca e apreensão em uma empresa listada na Bolsa de Valores, a Reag Investimentos, colocando uma das maiores gestoras independentes do país, com foco em recursos e de patrimônio, como suspeita de participar de uma “lavanderia” de dinheiro da facção ajuda a derrubar preconceitos ao lembrar que ricos e pobres podem ser suspeitos de crimes.

Os agentes também estiveram em administradoras em outros endereços da Faria Lima. A força tarefa aponta que cerca de 40 fundos e suas gestoras são suspeitos de serem utilizados pelo PCC. Há leis que impedem isso e o mercado é regulado, mas tem sempre alguém esperto achando que dinheiro é dinheiro.

A Operação Carbono Oculto aponta que o PCC, por meio de empresas de fachada e investimentos no setor de combustíveis, construiu um complexo esquema para ganhar cascalho grosso com a venda de produtos adulterados bem como lavar lucros astronômicos com o tráfico e o crime. E o fez com uma eficiência que faria corar muitos conglomerados legítimos.

Já não se trata apenas de domínio de territórios ou rotas de contrabando. Trata-se de capturar a própria engrenagem do capital, tornando-se quase indistinguível dela.

A infiltração no setor de combustíveis não é novidade, qualquer pessoa que mora na periferia de São Paulo já ouviu histórias de companhias de ônibus e postos de gasolina pertencentes ao crime. Mas o envolvimento da Faria Lima pelo poder público indica um salto de sofisticação. É a criminalidade entendendo que, no capitalismo tardio, o verdadeira poder não está apenas no controle do fuzil, mas no financeiro.

O mais preocupante é que essa metamorfose não ocorre por genialidade dos líderes do crime, mas, muitas vezes, pela conivência, ativa ou passiva, de um sistema que privilegia o lucro acima de tudo. Profissionais do mercado financeiro, contadores, advogados e gestores que fecham os olhos para a origem duvidosa dos recursos ou que se tornam especialistas em burlar a fiscalização são os facilitadores dessa ascensão. Políticos e policiais vêm na retaguarda, garantindo segurança ao sistema.

Combater esse crime de colarinho branco é tão urgente quanto enfrentar a violência nas pontas. Enquanto o Estado não cortar o fluxo financeiro que alimenta e lava o dinheiro das facções, estaremos apenas enxugando gelo. As operações policiais são fundamentais, mas precisamos de um sistema de inteligência financeira mais ágil, de reguladores mais rígidos e de uma Justiça que puna não só os executores no morro, mas os estrategistas nos escritórios.

Por dois anos, a força-tarefa envolveu a Receita Federal, o Grupo de Atuação Especial do Crime Organizado do Ministério Público em vários estados, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, além das polícias estaduais, a Agência Nacional de Petróleo, a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo e Secretaria de Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, entre outros. É muita energia, pois o negócio foi grande.

Agentes da Polícia Federal durante operação na Faria Lima – Foto: Reprodução

Se o crime já possui estrutura corporativa, já faz gestão de risco, tem política de due diligence, está atento ao compliance (garantido por tribunais do crime) e atua no mercado financeiro, o que falta para ele lançar um IPO e abrir seu capital?

O PCC, que hoje é uma máfia transnacional, não quer apenas dominar os mercados ilícitos. E, se nada for feito, em breve, poderemos ter que ler nos jornais não sobre operações policiais, mas sobre a cotação do crime organizado na bolsa.