Por Leonardo Sakamoto
Ricardo Nunes (MDB) não teve muito tempo para comemorar. Após vencer a eleição para a Prefeitura de São Paulo, derrotando o deputado Guilherme Boulos (PSOL), ele vem sendo alvo de uma série de denúncias relacionadas à sua atuação como prefeito ou vereador. Ironicamente, elas dizem respeito a bolas que haviam sido cantadas por seus adversários ou trazidas por parte da imprensa durante a campanha eleitoral e que não tiveram a devida atenção.
Nesta sexta (6), na capa do UOL, há dois exemplos. Uma investigação de Flávio Ferreira, da Folha de S.Paulo, aponta que o prefeito morou em 2022 em um apartamento de luxo que pertence a um empreiteiro vencedor de contratos sem licitação com a gestão municipal. Nunes diz que isso é uma “grande e infeliz coincidência”.
Segundo o prefeito, ele teria desembolsado apenas 25% do valor do aluguel, uma vez que o restante foi pago pela imobiliário que intermediou a locação a partir da compensação de uma dívida anterior com ele. A imobiliária é de Ronaldo do Prado Farias, que já teve contratos com creches conveniadas da prefeitura e foi diretor da SPObras, por indicação de Nunes.
Outra reportagem, esta de Adriana Ferraz, do UOL, traz um assunto que vem assombrando o prefeito: o ranger de dentes da população causado pela gestão das concessionárias que administram os cemitérios públicos da capital.
Ficamos sabendo hoje que a gestão desses espaços, tão defendida por Nunes na campanha, está desalojando restos mortais de túmulos, reformando-os e colocando à venda quando identificam falta de pagamento de anuidade. O detalhe tenebroso é que o aviso dado aos proprietários é precário e cidadãos alegam não ter recebido nenhuma informação.
Ou seja, sabe aquela máxima de que o brasileiro só consegue um terreno para chamar de seu para sempre na morte? Então, isso não vale para o paulistano. Aqui se vive reintegração de posse, sem o devido aviso, antes e depois da morte.
E a polêmica ocorre em um momento em que o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar determinando que os preços dos serviços funerários da capital paulista sejam restabelecidos ao teto dos valores praticados antes da privatização, ajustados pela inflação. Nunes nega que a concessão tenha aumentado os preços, mas quem precisa do serviço discorda.
Mas não é só. A Justiça Federal autorizou, em novembro, abertura pela Polícia Federal de um inquérito contra Ricardo Nunes por suspeitas de que, quando vereador, esteve envolvido em um esquema de desvio de dinheiro público por parte de organizações sociais no que batizado de “máfia das creches”.
Durante a campanha, ele foi duramente cobrado de seus adversários por conta do caso. A PF pediu autorização judicial para continuar investigando o envolvimento da empresa da mulher e da filha de Nunes. Foi identificada remessa para o prefeito no valor de R$ 31,5 mil saindo de conta de pessoa jurídica investigada por emitir notas frias no esquema. O prefeito disse recebia a notícia com “perplexidade” porque, segundo ele, “não existe absolutamente nada”. A resposta é muito semelhante à que vem sendo dada por Jair Bolsonaro no curso da investigação da tentativa de golpe de Estado.
Uma longa investigação do UOL, um dos veículos a cobrir sistematicamente os problemas da capital paulista antes das eleições, apontou, em março deste ano, que, pelo menos, 223 de 307 contratos de obras emergenciais tinham indícios de conluio para a combinação de preços. Isso sugere uma ação sistemática para transferir grana pública para bolsos de empresas escolhidas pela gestão Ricardo Nunes, soando como uma “Bolsa Empreiteira”.
Os repórteres Thiago Herdy, Pedro Canário e Rafael Neves mostraram que os valores com indícios de sacanagem somavam R$ 4,3 bilhões, ou 87% do total do contratado emergencialmente. Em uma disputa, a empresa A apresentava um valor competitivo e a empresa B, não; daí, em outra, a mesma empresa B apresentava um valor competitivo e a mesma A, não. Como se tratava de seleções emergenciais, o poder público é que enviava os convites para a participação dos atores.
Ao invés de abrir licitações públicas para resolver problemas de contenção de encostas, intervenções em margens de rios, córregos e galerias pluviais e recuperação de vias públicas, deixando contratações urgentes para casos especialíssimos, a Prefeitura de São Paulo sob a gestão de Ricardo Nunes (MDB) criou “emergências fabricadas”.
O termo não é meu, mas está em relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM) que analisou 53 contratos emergenciais de 2021 e 2022 apontando que a gestão abusou dessa ferramenta ao invés de adotar licitações, forma mais protegida de fraudes, para enfrentar conhecidos, históricos e previsíveis problemas da capital.
A promíscua relação entre a gestão e empreiteiras ganhou uma passada de recibo no dia 5 de novembro.
Nunes esperou o fim do segundo turno para demitir o pivô de denúncias contra a administração municipal na eleição. Eduardo Olivatto, ex-chefe de gabinete da secretaria de obras, é ligado a Fernando Marsiarelli é dono de empresa que mais faturou contratos de obras emergenciais, sem licitação: R$ 624,1 milhões em contratos de recuperação de pontes, sistemas de drenagem e contenção de margens de córregos de rios na cidade desde 2021.
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As ligações comprometedoras de Olivatto foram trazidas a público em reportagem de Mateus Araújo e Thiago Herdy, no UOL, em 3 de outubro deste ano. Ele chegou a ser gravado na eleição pedindo votos de forma irregular para funcionários de uma empresa que prestava serviços para a prefeitura também sem licitação.
“Eu admito e demito quem eu quiser. Eu sou prefeito, é um cargo de confiança”, disse Nunes ao UOL sobre a demissão, sem explicar a razão de fazer isso apenas depois da eleição. Mas nem precisaria.
Publicado originalmente no UOL