Por Leonardo Sakamoto, no Uol
O que acontece quanto deputados de extrema direita que desejam impor sua vontade ao povo à revelia da Constituição Federal se juntam com outros que querem distribuir bilhões às suas bases sem dar satisfação a ninguém? Um pacote para emparedar quem vai julgar essas safadezas.
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta (9), duas propostas de emenda à Constituição que limitam poderes do STF e facilitam o impeachment de seus ministros.
Bolsonaristas bradam que o Supremo Tribunal Federal derruba as leis aprovadas no parlamento. Ora, a revisão da legislação para verificar se elas atendem à Constituição é exatamente a função da corte. Se uma lei nova é aprovada fora das regras do jogo, precisa ser alterada. Ironicamente, quando a lei não interessa ao bolsonarismo, ele corre ao STF para pedir a suspensão de sua efetividade.
É como se um grupo de jogadores decidisse que, a partir de certo momento da partida, fosse permitido jogar o nosso futebol com as mãos. Nessa hora, é função do juiz apitar e dizer que isso é proibido pelo livrinho de regras. Parlamentares autoritários, contudo, acham um absurdo o comportamento do árbitro porque jogar com as mãos os ajuda a fazer mais gols.
Aonde? Em projetos que reduzem os direitos dos trabalhadores, a proteção ambiental, a dignidade de mulheres, indígenas e outros grupos minorizados, sem contar os que anistiam golpistas.
Uma parte das propostas não é lá tão diferente do movimento que já foi tomado pela própria corte sob a presidência de Rosa Weber para limitar decisões monocráticas (que, por exemplo, impediram que Lula assumisse como ministro-chefe da Casa Civil da Dilma, em 2016, o que poderia ter evitado o impeachment) ou o tempo de pedidos de vistas de ministros, que congelam julgamentos.
Mas impedir decisões individuais de ministros é tosco. Muitas vezes, são elas que impedem que uma nova legislação, feita à revelia dos direitos fundamentais, seja posta em prática. É impossível esperar o pleno ou uma turma se reunir para todas as demandas. Ressalte-se que Weber já tinha garantido que uma decisão monocrática contra leis criadas precisa ser pautada ao colegiado na sessão seguinte.
O pior é a parte das propostas que permite ao Congresso derrubar decisões judiciais do STF. É teratologia, misturada com escatologia e autoritarismo ditatorial, daqueles mais chinfrins.
Esse modelo não é novidade e vem sendo empurrado por governos pouco afeitos à democracia, como o de Benjamin Netanyahu em sua reforma para emparedar a Suprema Corte local. O primeiro-ministro de Israel guiou-se por interesse próprio para reduzir o poder do Judiciário por conta das acusações de corrupção contra ele e o risco de ir parar no xilindró. Tal qual seu antigo aliado por aqui, hoje ex-presidente, que está mais próximo da Papuda do que voltar ao Palácio do Planalto.
Não à toa, o bolsonarismo adoraria transformar o Brasil no caos da política israelense pré-guerra. Ou até na política israelense de guerra, haja visto que botar Gaza abaixo para caçar os terroristas do Hamas é muito semelhante à defesa que a extrema direita faz aqui de metralhar a favela inteira para caçar alguns narcotraficantes.
A cúpula do Judiciário em Israel derrubou a lei com o apoio de milhões de cidadãos que foram às ruas protestar contra o pacote defendido por Netanyahu. Caso as PECs sejam aprovadas por aqui, elas certamente serão declaradas inconstitucionais pelo STF.
Os fisiológicos, por sua vez, desejam liberdade para destinar cascalho público sem transparência para as suas bases visando à sua reeleição, na melhor das hipóteses, ou garantir seu coquetel de camarão, na pior delas.
Insatisfeito com as decisões do STF que suspendeu emendas impositivas enquanto regras não fossem construídas para evitar a farra do orçamento secreto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), enviou para a CCJ as PECs que restringem decisões do STF e colocam faca no pescoço dos ministros, facilitando pedidos de impeachment.
Ações que limitam ou alteram prerrogativas do Poder Judiciário precisam ser de iniciativa do próprio poder, segundo a Constituição, e não do parlamento. Os senadores, que já aprovaram as propostas, e os deputados, que agora se debruçam sobre elas, sabem disso. Mas querem fustigar o STF, taxando-o de autoritário diante da opinião pública, até que possam operar livremente.
Não em nome da liberdade, mas da libertinagem da mais descarada.
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