
Por Leonardo Sakamoto, no UOL
Na contagem regressiva para se livrar do xilindró, ou tentar ao menos uma prisão domiciliar ou pena menor, a defesa de Bolsonaro apresentou ao Supremo Tribunal Federal o primeiro recurso contra sua condenação de 27 anos e três meses por tentativa de golpe de Estado. Reforçou a tese de que Jair até “fumou” a ideia de um intervencionismo radical no resultado das eleições, mas que nunca a “tragou”. Ou seja, não consumou o ato.
O ponto central é o que os advogados chamam de “desistência voluntária” do crime, usando argumentos deixados pelo ministro Luiz Fux, o único dos cinco da Primeira Turma que votou a favor do ex-presidente. Para eles, como a Corte considerou que Bolsonaro foi culpado de preparar uma ruptura democrática, pedem que seja adotado o entendimento de que ele desistiu de liderar os atos golpistas após reunião com os comandantes militares no Palácio da Alvorada.
“O embargante deliberadamente interrompeu o curso dos fatos, caracterizando a desistência voluntária”, apontou a defesa. Ou seja, confirmam que ele quis dar o golpe. Isso equivale a chamar de “otários” seus seguidores fiéis, que juram que isso nunca passou pela cabeça dele.
Claaaaaaaro que isso não será aceito pelos ministros. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, na sustentação oral de sua denúncia no STF, afirmou que, quando comandantes militares são chamados para reuniões a fim de discutir formas de permanecer no poder a despeito do resultado das urnas, uma tentativa de golpe já está em andamento. A interpretação teve apoio de Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia.

Gonet reforçou que não é necessária uma ordem assinada pelo presidente da República. “A tentativa se revela na prática de atos e de ações dedicadas ao propósito da ruptura das regras constitucionais sobre o exercício do poder, um apelo ao emprego da força bruta, real ou ameaçada”, apontou.
E ironizou quem defende o contrário: “Não é preciso um esforço intelectual extraordinário para reconhecer que, quando o presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso”.
Ou seja, não é preciso ser inteligente para reconhecer o andamento de uma tentativa de golpe de Estado e que isso já é crime, ao contrário do que defendem os advogados do réu.
Em 1992, Bill Clinton, então candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos, admitiu ter experimentado maconha em uma entrevista a um canal de TV. O caso teria ocorrido 20 anos antes, durante um intercâmbio. “Eu nunca quebrei uma lei federal. E, quando eu estava na Inglaterra, experimentei maconha uma ou duas vezes, mas não gostei, não traguei e nunca tentei de novo”, disse.
A declaração se tornou piada recorrente na política global, usada para ilustrar a percepção de que políticos são descarados ao tentar driblar os fatos para controlar danos às suas carreiras.
No afã de se livrar da cadeia, Bolsonaro vem praticando o esporte olímpico de Arremesso de Responsabilidade à Distância, tentando terceirizar a culpa pelos atos golpistas, como se fossem coisa de outras pessoas e ele tivesse pessoalmente agido para desmantelar a trama. Nesse ritmo, também corre o risco de passar para a História como piada recorrente.