Sakamoto: Bolsonaro não pode ser o único condenado com tratamento VIP de saúde

Atualizado em 19 de setembro de 2025 às 10:42
Jair Bolsonaro, em prisão domiciliar, deixa hospital DF Star ao lado da ex-primeira-dama Michelle. Foto: Divulgação
Jair Bolsonaro em carro ao deixar hospital DF Star ao lado da ex-primeira-dama Michelle. Foto: Divulgação

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

Diante da condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado e de sua iminente prisão, seus aliados e seguidores, enquanto tentam aprovar uma anistia no Congresso, defendem que ele cumpra pena em casa ao invés da Penitenciária da Papuda com base no seu quadro de saúde.

O debate, para não soar hipócrita, oportunista e chulé precisa incluir os demais criminosos condenados no sistema prisional, que convivem com situações graves. O caso Bolsonaro é um momento propício para trocarmos o “bandido bom é bandido morto” para “bandido bom é bandido que não é torturado ao cumprir pena para que possa ser reintegrado à sociedade”.

Ou seja, se Jair pode ter esse benefício humanitário, outros criminosos também precisam ter acesso. Para isso, cabe à Justiça analisar o risco que tanto o ex-presidente quanto outros condenados representam à sociedade. Risco sim, ele e seu filho têm incitado os EUA contra o Brasil. Hoje, outros condenados até conseguem decisões favoráveis, mas bem menos do que a demanda.

E não só o ex-presidente. Após a prisão dos que participaram dos atos golpistas, uma onda de preocupação sobre as condições do sistema prisional tomou conta das redes. A busca por dignidade aos criminosos do 8 de janeiro de 2023 também é uma chance para garantir dignidade a outros que estão privados de liberdade.

O último relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o sistema prisional, produzido pelo Insper e pela Fundação Getúlio Vargas, indica que condições precárias como superlotação, falta de saneamento básico, alimentação inadequada e ausência de assistência médica causam ou gravam doenças.

Morre-se com frequência dentro da cadeia por tuberculose, pneumonia, sepse e insuficiência cardíaca ou respiratória. Isso sem contar guerras de facções e maus tratos.

Mas também por depressão, com taxas de suicídio subindo de 15,7 para 25,2 mortes a cada 100 mil presos entre 2016 e 2019. A questão da saúde mental tem sido destaque na imprensa após aliados políticos do ex-presidente afirmarem que ele está mal devido à condenação e à atual prisão domiciliar. Depressão é coisa séria, e muitos condenados sofrem com a mesma situação, mas não recebem a mesma atenção.

Como a maioria da população carcerária é composta por jovens, negros e pobres que cometeram delitos, eles são esquecidos pela sociedade — mesmo que, não raro, o crime que cometeram tenha sido muito mais leve e menos danoso ao país do que uma tentativa de impor uma ruptura democrática.

Presídio de Guarujá. Foto: Divulgação
Presídio de Guarujá. Foto: Divulgação

Segundo o relatório, a superlotação e a falta de recursos básicos, como água limpa e saneamento, tornam as prisões ambientes ideais para a proliferação de doenças infecciosas, como tuberculose, HIV/Aids e sífilis. Para se ter uma ideia do que isso significa, as taxas de detecção de tuberculose nas prisões do Rio de Janeiro são 30 vezes maiores do que na população em geral.

O estudo mostra a situação como medieval: um surto de beribéri, uma doença causada pela falta de vitamina B1, que resultou em 56 hospitalizados e seis mortes em uma cadeia pública no Piauí.

Durante a pandemia de covid-19, apesar de uma recomendação do CNJ para que presos sem periculosidade pudesse ser soltos, muitos casos foram indeferidos — o que transformou presídios em câmaras de morte.

Um habeas corpus coletivo foi impetrado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julho de 2020, para estender uma decisão que transferiu Fabrício Queiroz, ex-faz-tudo de Flávio Bolsonaro, à prisão domiciliar para outros nas mesmas condições. Ele conseguiu o benefício porque fazia parte do grupo de risco para covid-19 devido a um câncer. O Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), responsável pelo pedido, afirmou que era uma questão de Justiça estender a demais presos preventivos com câncer, HIV, tuberculose. O HC foi negado pela Justiça.

O presidente Jair Bolsonaro retirou lesões cuja biópsia apontou para carcinoma, um tipo de câncer de pele. Desejo a ele que faça um bom acompanhamento médico e cuide da sua saúde. Também já removi lesões e sei o quanto isso é sério.

O relatório também traz o exemplo de Ledeane, com 36 anos, mãe de três filhos e que tinha diagnóstico de câncer de colo de útero quando foi presa em flagrante. Mesmo assim, teve a prisão preventiva decretada. Pouco depois de conseguir prisão domiciliar, ela faleceu por sepse e pneumonia, situação claramente derivada de sua passagem pela cadeia sob condições de saúde complicadas.

Este texto não é uma defesa de quem comete crimes, seja ele o roubo de um carro ou uma tentativa de golpe. Qualquer pessoa sob custódia do Estado precisa ser tratada com um mínimo de dignidade. Até porque o ódio gerado diante de maus tratos fermenta na cadeia e volta na forma de vingança à sociedade por pessoas que nunca serão, de fato, reinseridas.

Em suma, se vale para Jair, tem que valer para todo mundo.