Sakamoto: Caso Daniel Silveira escancara hipocrisia bolsonarista sobre as prisões

Atualizado em 28 de junho de 2025 às 21:38
O ex-deputado Daniel Silveira. Foto: Reprodução

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

O ex-deputado Daniel “Surra de Gato Morto” Silveira, que segue cumprindo pena por incitar atos contra a democracia e ameaçar ministros do STF, alegou que necessita uma cirurgia de urgência devido a um desgaste no joelho. Alexandre de Moraes não negou o pedido, mas solicitou que ele passe por uma perícia e prove o caráter urgente. Foi o bastante para bolsonaristas soltarem o mimimi nas redes, dizendo que ele está sendo vítima de tortura. Uma bobagem.

Claro que não é a primeira, nem a última vez em que eles se preocupam com a saúde dos (seus) detentos. Tanto que transformaram os criminosos que participaram dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 em mártires.

No mês passado, bolsonaristas celebraram a ida de Roberto Jefferson à prisão domiciliar humanitária por decisão do mesmo Moraes. O ministro se baseou em relatórios médicos enviados pelo hospital. Assim, o ex-deputado pode voltar à mesma casa, no município de Comendador Levy Gasparian (RJ), em que, às vésperas da eleição de 2022, atirou com um fuzil e lançou granadas ferindo agentes da Polícia Federal que cumpriam um mandado de prisão contra ele.

No mesmo mês de maio, Moraes também concedeu prisão domiciliar humanitária ao ex-presidente da República Fernando Collor de Mello, condenado a oito anos e dez meses de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, quando senador. Ficou só uma semana no xilindró.

O curioso é que ele atestou à Justiça que não tinha doenças, mas seus advogados afirmaram que ele tem Parkinson, apneia do sono grave e transtorno bipolar. Foram comoventes as manifestações públicas da direita alagoana em defesa de Collor, que foi imortalizado gritando o nome de Bolsonaro a plenos pulmões em comício no estado.

O ex-presidente Fernando Collor de Mello. Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Toda essa preocupação com a saúde de detentos por parte da extrema direita deveria servir para melhorar as péssimas condições do sistema prisional brasileiro, um depósito de gente pobre. E, principalmente, evitar o encarceramento de condenados que não representem risco à vida de outras pessoas, pensando em outras penas e mantendo-os longe das penitenciárias, que hoje servem como centros de aliciamento para o crime organizado.

Afinal, se o benefício vale para quem tem cascalho e poder, deveria valer para a multidão de presos com tuberculose e depressão.

Apesar do esforço de setores do Poder Judiciário e da sociedade civil, contudo, não vejo muita esperança que viremos a chave da forma de punição no Brasil. E vamos ter que conviver com a hipocrisia de grupos que defendem a soltura para os seus criminosos sob justificativa humanitária, enquanto pedem que outros apodreçam em suas celas.

Até porque, como todos sabemos, ser reincidente no roubo de carne é muito pior que atentar contra a democracia, não é mesmo?

Por fim, vale ressaltar que essas decisões favoráveis à prisão domiciliar humanitária são uma esperança ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que convive com cirurgias frequentes devido à facada que levou em setembro de 2018.

Isso seria um “plano C”. O “A” é a aprovação de uma anistia pelo Congresso (com uma torcida de que o STF aceite esse acinte) e o “B”, uma fuga para uma embaixada estrangeira no Brasil ou para a Flórida de Donald Trump.

Expondo nas redes sociais a imagem de seu corpo seminu em ambiente hospitalar e postando mensagens de caráter messiânico, em todas as suas internações, ele apela para a mesma estratégia de comunicação que vem adotando desde 2018. Uma coisa é o atentado abominável que sofreu, outra é o oportunismo. Ele usou a estratégia politicamente por anos. Agora, ao que tudo indica, usará também judicialmente.