
Por Leonardo Sakamoto, no UOL
Enquanto o STF julga Jair Bolsonaro e outros sete réus do núcleo crucial da trama golpista, o governador Tarcísio de Freitas e políticos bolsonaristas articulam a aprovação de uma anistia na Câmara dos Deputados. Com isso, colocam Washington como capital do Brasil ao ceder à pressão de Donald Trump, que exige que o ex-presidente não seja punido por seus crimes.
O novo cálculo de membros de partidos mais à direita no espectro político é ter Bolsonaro livre, mas inelegível, a fim de usar seu capital político para içar Tarcísio ao Palácio do Planalto e fazer campanha para seus candidatos. Bônus sem ônus. Isso, na prática, seria um golpe dentro da tentativa de golpe. Mas golpista que dá golpe em golpista tem oito anos com reeleição.
Após Trump aplicar o tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros, criando desemprego e fechamento de empresas, e cacetar instituições brasileiras com a sua Magnitsky, governo federal e oposição responsável tentaram abrir canais de negociação, mas rechaçaram qualquer possibilidade de ingerência externa em assuntos nacionais.
Com isso, as portas permanecem fechadas a uma solução. Afinal, ao contrário do que bradam governadores bolsonaristas, a questão principal, segundo o próprio norte-americano colocou em carta, é Bolsonaro livre (e interferência nas eleições brasileiras do ano que vem) e não a gestão de Lula.
Só o fato de uma potência estrangeira exigir que não se julgue pessoas por crimes graves dos quais são acusadas com farto material comprovatório é, em qualquer lugar que se considere independente, motivo para as instituições e a sociedade garantirem que o julgamento aconteça. E que, se punições vierem, sejam cumpridas. O contrário soa coisa de cobaia, entreguista, quinta-coluna.
Mas, desde que Trump veio com sua borduna, bolsonaristas vêm defendendo a genuflexão do Brasil aos EUA como saída. Eduardo Bolsonaro, que já entrou para o seleto panteão de traidores da pátria, exige a aprovacão da anistia para parar de conspirar contra o Brasil lá fora. Para agradá-lo e aos bolsonaristas radicais, Tarcísio e aliados capitulam à ingerência externa. Tudo em troca de votos em 2026.
Não só isso. O governador do estado mais populoso e economicamente relevante do país disse que, em entrevista ao jornal Diário do Grande ABC, que “hoje eu não posso falar que confio na Justiça” por causa do julgamento de Bolsonaro. Aceitou pagar um pedágio para ser candidato cujo preço é o atropelo das instituições nacionais e da democracia.
E ao não acreditar, alinha-se à conspiração de Eduardo Bolsonaro, que conta com a ajuda de Trump, e busca anular essa mesma Justiça após seu padrinho tentar um golpe de Estado.
Uma anistia, mesmo aprovada pelo Congresso, que teria que derrubar um provável veto de Lula, seria considerada inconstitucional pelo STF. Até uma mudança de governo, que poderia mexer com a correlação de forças e criar formas de caçar ministros do tribunal, Jair seguiria preso. O problema, portanto, é um ano de caos, com a extrema direita incitando violência contra as instituições.

O presidente da Câmara, Hugo Motta, que já deu sinais de fraqueza, pode dobrar a espinha cervical e aceitar a votação da anistia. Espera-se que o chefe do Senado, Davi Alcolumbre, que já disse que a anistia não iria pacificar o Brasil, siga de cabeça erguida.
Vai ser uma boa hora para o Congresso mostrar que defende a democracia e não abaixa a cabeça a pressões estrangeiras. Ou se, na verdade, a maioria dos deputados e senadores, secretamente, sentiram prazer com a destruição das casas que representam em 8 de janeiro de 2023.