Sakamoto: Com taxação de ricos e prisão de generais, Brasil surpreende duas vezes

Atualizado em 26 de novembro de 2025 às 19:45
Paraisópolis e prédio de luxo do Morumbi. Foto: Tuca Vieira

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

Lula sancionou hoje o projeto que isenta de Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil por mês. O mesmo texto traz a taxação de super-ricos, garantindo que, por exemplo, quem ganha mais de R$ 100 mil por mês pague, ao menos, 10%. Proposto pelo governo federal e aprovado pela Congresso Nacional, a taxação dos ricos vai ajudar a cobrir a isenção para a classe média.

A sanção ocorre um dia após o Supremo Tribunal Federal ter ordenado o início do cumprimento de pena dos generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira, Braga Netto e do almirante Almir Garnier. É a primeira vez que oficiais de quatro estrelas que tentaram um golpe de Estado foram investigados, denunciados, julgados, condenados e presos.

Em dois dias, o Brasil, acostumado a uma desigualdade crônica, encerrou dois movimentos que apontam o país para o futuro. No segundo, deu um passo no para garantir Justiça social; no primeiro, outro para mostrar que ninguém está acima da lei.

O nosso sistema cobra, proporcionalmente, mais de uma professora que ganha três salários mínimos (quem recebe R$ 4.554 atinge a alíquota de 22,5%) do que um empresário que recebe milhares de vezes isso. Um número obtido por Guilherme Pimenta e Lu Aiko Otta, do jornal Valor Econômico, via Lei de Acesso à Informação, é pornográfico. Contribuintes com rendimento médio entre R$ 750 milhões e R$ 1 bilhão ao ano pagam apenas 1,49% de Imposto de Renda em média.

Isso lembra que super-rico não é você, Pequeno Gafanhoto, que faz parte da massa de 212,4 milhões que aprenderam a se virar, mas são as 141,4 mil almas que ganham mais de R$ 50 mil mensais – e entram no rol dos que vão ser progressivamente taxados pela nova lei.

Sede da Receita Federal. Foto: reprodução

A desigualdade dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Leva à percepção de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres. Ou seja, para usar a polícia e a política a fim de proteger os privilégios do primeiro grupo, usando violência contra o segundo, se necessário for. Com o tempo, a desigualdade leva à descrença nas instituições. O que ajuda a explicar o momento em que vivemos hoje.

Desigualdade que se traduz de diversas formas, como a histórica impunidade de quem veste farda.

A falta de punição dos artífices, comandantes e torturadores do golpe de 1964 ajudou a semear a tentativa de 2022. Por isso, prender generais que se negaram a aceitar o resultado da eleição é tão ou ainda mais importante quanto ter feito o mesmo contra um ex-presidente. Mais do que reparação histórica, isso ajuda a alterar a violência com a qual uma parcela do Estado trata os mais pobres. Pois avisa que, não importa quão estrelado ou armado você é, não vai ficar impune se sair da linha.

Mesmo sem consenso, porque quem se acha intocável tem seus representantes nos Três Poderes, o STF, o governo federal e o Congresso Nacional deram passos importantes para reduzir a desigualdade estrutural.

O que, particularmente, é uma tremenda sacanagem. Pois esse tipo de coisa nos dá motivo para acreditar que um país mais justo é realmente possível.