Sakamoto: Estou sendo acusado de omitir uma história que eu mesmo revelei

Atualizado em 30 de setembro de 2025 às 20:36
Trabalhador da MRJ em granja. Foto: Inspeção do Trabalho

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

Esta história não é sobre trabalho escravo. Colegas jornalistas me alertaram que contas da extrema direita nas redes espalhavam que eu, que cubro há décadas esse tema, estava me omitindo jornalisticamente diante de um fato grave: o ministro do Trabalho suspendeu a entrada da JBS na “lista suja” do trabalho escravo. E que meu silêncio teria sido bem pago.

“Sakamoto vendido para o governo”, gritaram. Mas, aí, tem um problema: eu fui o primeiro a revelar essa história na imprensa através de uma longa reportagem no UOL mais de uma semana antes desse pessoal me acusar de fazer vistas grossas. Outra matérias, dentro e fora do país, vieram depois da minha, muitas vezes usando as informações que nela constavam.

Ou seja, o pessoal que estava me acusando de vendido só sabia da história porque, lá atrás, eu a trouxe à tona. Nonsense, não acham?

Raramente leio ou respondo comentários. Há muita gente produzindo contrapontos interessantes nas caixas de comentários, mas como há uma multidão vomitando ódio e chorume, poupo minhas retinas, já cansadas do cotidiano desta grande pornochanchada que é a política brasileira. Neste caso, abri uma exceção.

Em uma das várias contas que espalhou a fake nas redes, expliquei o que falei acima, alertando a importância de checar uma informação antes de acusar alguém. Claro que não surtiu efeito, até porque uma das leis da internet aponta que uma acusação mentirosa é muito mais deliciosa do que o desmentido chato. Mas pelo menos está lá, como um espantalho a avisar os corvos.

Como até uma marmota com problemas de cognição consegue dar um Google e checar se o tal do Sakamoto já tinha escrito sobre o assunto, assume-se preguiça, burrice ou má-fé. Neste último caso, encontramos o viés de confirmação: pessoas que não gostam de mim partem do pressuposto que tudo de ruim dito ao meu respeito seja fato. E, se não for, tratam de tracionar a mentira, compartilhando-a. Assim, muita gente grande compartilhou gostosamente a fake, como um conhecido economista.

O jornalista Leonardo Sakamoto. Foto: Divulgação

Tudo isso me levou a uma situação paradoxal: de um lado, gente do governo federal me criticando por eu ter revelado a história, e, do outro, a extrema direita e seus guerreiros me xingando por eu supostamente não ter revelado a história.

O causo nonsense nos coloca em uma situação desafiadora: uma parte da sociedade simplesmente não tem acesso ao que acontece na outra parte. As plataformas digitais são grandes responsáveis pelo nível de desinformação em que estamos, dado os algoritmos que nos fecham em câmaras de eco. Mas não as únicas.

Por causa de líderes políticos, influenciadores, economistas e afins, a grande maioria só recebe informação de dentro do seu campo ideológico, de sua bolha, com elementos que reforçam sua visão de mundo. Qualquer cosia que conteste a narrativa, é descartada.

A partir do momento em que os diferentes grupos que compõem uma sociedade não recebem a mesma informação sobre a sociedade em que estão, como garantir que sejam capazes de travar o mesmo debate público visando ao bem comum?

Pesquiso o tema há anos. E, como sabem os que aqui me acompanham, sou alvo de frequente violência física na rua pelo que escrevo. A história vale, portanto, como termômetro.

Há tempos que os fatos, infelizmente, deixaram de ter importância no debate público, e essa não é a primeira vez em que isso acontece. Mas a situação está piorando porque mesmo as pessoas que, por profissão deveriam checar, não fazem isso. Um colega de um veículo grande me escreveu, perguntando porque eu não havia tratado do assunto que eu mesmo havia trazido a público. Quando pedi para ele dar um Google, ficou constrangido e sumiu.

Como eu disse no começo, essa história não é sobre trabalho escravo. Mas sobre o fato de, no fundo do poço, ter sempre um enorme alçapão.

O caso em questão transcende o ataque pessoal e serve como um aviso contundente: quando a mentira é mais sedutora que a verdade e a tribo mais importante que o fato, o próprio alicerce do debate democrático, a realidade compartilhada, se esvai, restando apenas o ruído ensurdecedor de bolhas que não se comunicam, mas apenas colidem.

Em tempo: Estou de férias até o dia 6 de outubro, voltei rapidamente e já me vou de novo.