
Por: Leonardo Sakamoto
Aviso: Criticar governos quando eles produzem grandes quantidades de mortes não é defesa de bandidos, mas de policiais e de moradores de comunidades, que são colocados em risco desnecessário quando o poder público opta por uma política que privilegia a porrada em detrimento ao estrangulamento de grana, drogas e armas. Bandido bom é bandido processado, condenado e preso.
O governo do Rio afirmou hoje que ao menos 78 dos 121 mortos na operação nos Complexos da Penha e do Alemão, na última terça (28), tinham “relevante histórico criminal”. Diante disso, quem se enxerga como um democrata precisa fazer uma pergunta: e daí?
Temos ex-presidente da República com “relevante histórico criminal”. Diante disso, quem se enxerga como um democrata precisa fazer uma pergunta: e daí?
Temos ex-presidente da República com “relevante histórico criminal”, condenado por tentar matar a democracia com golpe de Estado usando uma organização criminosa armada. E políticos de direita e esquerda condenados por desviar milhões em esquemas de corrupção envolvendo estatais ou emendas, gerando danos irreparáveis a uma população que precisa de recursos para a saúde, a educação e o saneamento básico. Mas ninguém em sã consciência discute pena capital ou execução para esses crimes. Por que então isso vale para outros?
A justificativa dada pelo governo do Rio tenta, dessa forma, legitimar a letalidade da operação da PM. A divulgação da informação sem afirmar o que cada pessoa teria feito para ser morta ajuda na construção de uma narrativa de que quem cometeu delitos na sua vida pregressa merece morrer. Dessa forma, a operação em si dá ao Estado o direito de matar.
O governador Cláudio Castro (PL) afirmou que “de vítima, só tivemos esses policiais”. Essa visão faz da Justiça algo desnecessário. Porque a própria polícia, cuja função é investigar e prender quem comete crimes, também assume o papel de acusar, julgar e executar.
Isso leva a uma grande sessão de justiçamento, o que se contrapõe à ideia de Justiça e do que está previsto na Constituição de 1988. E se encaixa perfeitamente na sociedade miliciana que vem sendo construída no Rio, com o apoio do governo estadual.
Uma operação para cumprir 100 mandados de prisão terminar com 121 mortos, entre criminosos, policiais e civis não é sinal de sucesso, mas de incompetência e de violência eleitoreira, explorando o sentimento de desespero de uma população cansada de políticos incompetentes ou que se deitam com o tráfico e a milícia.

Na Chacina do Jacarezinho, em maio de 2021, logo após 27 civis e um policial serem mortos em uma ação violenta do poder público, o delegado do Departamento Geral de Polícia Especializada do Rio disse em coletiva à imprensa: “Não tem nenhum suspeito aqui. A gente tem criminoso, homicida e traficante”.
Cinco meses depois, o Ministério Público discordou, apresentando denúncia contra policiais por execução e manipulação da cena do crime. Por exemplo, Omar Pereira da Silva estava rendido, ferido e encurralado em um quarto de criança e foi executado sumariamente. Depois, os policiais teriam manipulado a cena do crime, removendo o corpo sem perícia, plantando uma granada e apresentando armas que não pertenciam à vítima, para justificar a sua morte, ainda segundo o MP-RJ.
Forças de segurança publica costumam divulgar a ficha criminal dos envolvidos quando interessa à narrativa. Mas é uma transparência parcial, pois a lista completa dos mortos ainda não foi entregue à sociedade, muito menos a situação dos corpos. Pouco se fala, mas ao menos 30 não tinham nem passagem pela polícia.
O governo do Rio de Janeiro precisa, urgentemente, liberar todos os nomes e garantir acesso a outros órgãos independentes, como o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública, aos corpos e exames necroscópicos.
Ter antecedentes criminais é apenas um elemento a ser analisado. O indivíduo pode ter mudado de vida, ser um trabalhador qualquer. Ou poderia não estar em combate, cuidando da vida, sem oferecer risco.
Para provar que não emboscou e executou ninguém, ao contrário do que está parecendo, Cláudio Castro vai ter que se esforçar mais. A menos que queira mostrar que atropela a lei como primeiro ato de sua campanha o Senado.
Publicado originalmente na UOL