Sakamoto: Flávio Bolsonaro queria Trump, mas foi seu aliado Castro que atirou no Rio

Atualizado em 29 de outubro de 2025 às 17:38
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL). Foto: Reprodução

Por Leonardo Sakamoto

Quando você não tem empregos ou escolas para mostrar, produza corpos. A triste máxima funciona para sequestrar a atenção política e mostra até onde estão dispostos a ir governantes para se manter no poder ou eleger aliados. O Rio de Janeiro, com os 64 cadáveres anunciados pela polícia ontem e os outros tantos que estão brotando nos morros hoje, é apenas o mais novo exemplo dessa ensinamento.

O Rio tem vivido uma sucessão de não-governadores incompetentes, que acabam presos, cassados ou investigados por corrupção. Por incapacidade de retomar territórios dominados por traficantes e milícias através de ações inteligentes (como geração de emprego e renda, construção de equipamentos públicos de educação, saúde e lazer, bloqueio de bens e contas do tráfico, prisão de policiais e políticos aliados do crime, estrangulamento das rotas de armas e drogas, valorização das condições de trabalho e salários dos profissionais de segurança pública, rever a fracassada política de guerra às drogas), produzem corpos para circular no WhatsApp e nos jornais da noite.

Em qualquer lugar do mundo, é considerada fracassada uma operação policial que mata e fere uma multidão, entre criminosos (que merecem um julgamento), policiais (que merecem voltar para suas famílias) e civis (que não têm nada a ver com isso). Mesmo assim, a extrema direita correu para sair em defesa do governador, jogando o tema dentro da sacola das eleições do ano que vem.

O senador Flávio Bolsonaro, do mesmo PL de Cláudio Castro, o parabenizou pela “maior operação da história no combate ao crime organizado, após meses de investigação e trabalho de inteligência”. Mas inteligência passou longe, caso contrário, o crime teria levado um duro golpe sem que tiros tivessem paralisado a vida de comunidades pobres.

O filho do ex-presidente foi além: “O governo Lula não deu absolutamente nenhum apoio. Não há outro caminho para buscar a liberdade de milhões de pessoas que vivem sob a lei paralela desses marginais com tamanho poderio bélico”. Ele não é burro, sabe que há, tanto que, em São Paulo, isso aconteceu com a Carbono Oculto. Mas a ideia não é resolver o problema, o que poderia atingir também as milícias, já condecoradas por sua família, mas espalhar o medo. Querem sangue na urna eletrônica.

O presidente estadunidense Donald Trump. Foto: Reprodução

Há uma semana, em uma rede social, o senador sugeriu que os Estados Unidos atacassem supostas embarcações com drogas na costa do Rio de Janeiro. Ou seja, quer executar sumariamente brasileiros sem o devido processo legal em uma ação de caráter militar de uma potência estrangeira. Como Trump estava ocupado com um encontro com Lula, retomando as relações com o Brasil estremecidas por causa do seu irmão, Eduardo Bolsonaro, coube a Claudio Castro executar sumariamente brasileiros sem o devido processo legal em uma ação de caráter militar.

Tal como Flávio, outro políticos da direita saudaram o governador. Enxergam a matança no Rio ajudar a nublar a defesa da soberania e a economia como temas da eleição presidencial. No primeiro caso, o bolsonarismo é acusado de trair a pátria ao incitar o tarifaço de Donald Trump contra empregos e empresas no Brasil e, consequentemente, de jogar a bandeira do patriotismo no colo de Lula. No segundo, apesar do preço dos alimentos ainda estar alto, eles estão cedendo. E junto com a queda no desemprego e o aumento na renda, melhoram a percepção sobre a qualidade de vida.

Nesse sentido, segurança pública, que sempre foi o calcanhar de Aquiles da esquerda, é colocada em pauta da forma mais nefasta possível, com cadáveres sendo produzidos para transmitir uma sensação de falsa segurança a parcelas das classes média e alta, mostrando que o governo está fazendo algo. Mesmo que esse algo seja inócuo.

A parte do Rio banhada pelo mar amanheceu com medo, mas quem está na periferia e nos morros não tem esse privilégio porque, se parar para sentir algo, pode morrer pelas mãos das facções, das milícias ou da polícia. Ou pelo grupo mais insensível de todos: os políticos que dominam o estado.

Publicado originalmente no Uol