Sakamoto: Israel mata crianças de fome em Gaza enquanto mundo debate o nome do crime

Atualizado em 25 de julho de 2025 às 11:18
Criança de dois anos desnutrida e sua mãe em um campo de refugiados no Norte de Gaza. Foto: Divulgação

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

Os que não foram mortos em Gaza pelas bombas e balas das Forças de Defesa de Israel agora estão morrendo por falta de comida. Hospitais do território registraram mais nove mortes por fome e desnutrição nas últimas 24 horas, aumentando para 122 o número de óbitos por inanição, a maioria nas últimas semanas, segundo dados do Ministério de Saúde local. Quem diria que um cerco prolongado contra um território pobre com mais de dois milhões de habitantes mataria de fome, não é mesmo?

Com isso, aumentou a pressão do mundo sobre o governo Benjamin Netanyahu e seu aliado, Donald Trump, por um cessar-fogo. Mas até agora o mesmo mundo tem gasto mais tempo na discussão se estamos vendo um crime de guerra, um atentado contra a humanidade, uma limpeza étnica ou um genocídio do que obrigando Israel a interromper a matança.

Dessa forma, o açougueiro de Tel Aviv continua operando seu matadouro a céu aberto, contando com armas e apoio geopolítico dos Estados Unidos.

O estrangulamento do fluxo de comida, remédios e combustível foi estabelecido logo após o ataque terrorista do Hamas, em outubro de 2023, mas a fome disparou nos últimos dias. Isso tem sido alertado por moradores, organizações humanitárias, unidades de saúde.

Ironicamente, a Fundação Humanitária (sic) de Gaza, apoiada por Israel e os EUA, que centralizou a distribuição de alimentos, tirando a tarefa da ONU e de outras entidades internacionais, é criticada porque estaria alinhada às necessidades militares de Tel Aviv. Ela culpa o Hamas por problemas, enquanto celebra que seu trabalho vai de vento em popa matando a fome no território.

A conversa para boi dormir contrasta com a realidade. Um quarto das crianças de seis meses a cinco anos e das mulheres grávidas e lactantes atendidas na semana passada pela ONG Médicos Sem Fronteiras em Gaza sofrem de desnutrição, alertou a entidade nesta sexta (25). O território ficará sem alimentos terapêuticos especializados para salvar as vidas de crianças gravemente desnutridas até agosto, disse a Unicef, a agência da ONU para a infância.

“A fome em Gaza não é evidente apenas pelos números. Também é evidente em fotos, vídeos e histórias. A internet está cheia delas – crianças famintas com barrigas inchadas e braços e pernas finos como palitos, um idoso comendo folhas de figueira para ingerir algo, a história de um homem que se divorciou da esposa porque ela comeu parte de sua cota de pão”, aponta reportagem do jornal israelense Haaretz.

População enfrentando condições extremas na Faixa de Gaza.Foto: Divulgação

“Não como nada há dois dias”, disse uma mulher chamada Salwa, mãe de um bebê, a uma agência de notícias citada pelo jornal. “Meu corpo não está produzindo leite, e meu filho chora até dormir. Damos água de arroz para ele. Mas ele sabe a verdade, porque não tem gosto.”

E, para piorar, pipocam casos de mortes em massa nos locais onde os mantimentos são doados. A ONU aponta que, de 27 de maio a 21 de julho, 1.054 pessoas morreram quanto tentavam obter alimentos, 766 perto de instalações da Fundação Humanitária de Gaza. Tentar matar a fome virou uma armadilha mortal.

Um exemplo: pelo menos, 93 morreram pelas mãos de militares, no último domingo (20), quando aguardavam comida no Norte de Gaza. Israel não contesta o caso, mas o número de óbitos e diz que a matança foi para remover uma “ameaça imediata”. Qual? A existência de palestinos?

A situação não é apenas o caos natural devido ao longo torniquete imposto pelas Forças de Defesa de Israel, mas um claro resultado do planejamento de uma nova fase das operações. Membros ultraconservadores do governo Netanyahu não têm pudor algum em afirmar que querem expulsar os palestinos para o Egito e a Jordânia e anexarem de vez o território. Nada como a fome para provocar isso.

A França anunciou que vai reconhece o Estado palestino, como forma de pressão. O Canadá aponta que Israel está violando o direito internacional. O Brasil afirmou que está entrando na ação movida pela África do Sul que pede à Corte Internacional de Justiça que declare violação das Convenções sobre Genocídio. Tudo isso é insuficiente. Em votações na ONU, a maioria esmagadora dos países pede um cessar-fogo e a entrada incondicional de alimentos e remédios, mas Israel, apoiado pelos EUA, dá de ombros. Trump diz que acabaria com as guerras, o que ele não explicou é que faria isso chancelando quem está matando inocentes.

O ataque terrorista do Hamas matou 1.139 pessoas em Israel e levou mais de 200 pessoas como reféns, muitos dos quais estão mortos. A resposta do governo Netanyahu matou ao menos 59,6 mil e feriu outros 143,5 mil, fora os desaparecidos. Um colapso existencial desse tamanho só pode ser feito por muitas mãos.

Cobri guerras e conflitos armados na Ásia e na África. Visitei mais campos de refugiados e hospitais do que o bastante para uma vida. Uma coisa que aprendi em campo é que o sorriso é o marcador para saber se uma criança está desnutrida. A falta de sorrisos em Gaza é um empreedimento coletivo. Por ação e inação.