Por Leonardo Sakamoto
Depoimentos à Polícia Federal revelados na última sexta (15), sobre a tentativa de golpe de Estado, reforçam que o bolsonarismo tentou empurrar Lula para decretar uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem), para que as Forças Armadas contivessem os ataques de 8 de janeiro e, então, abrissem caminho a uma virada de mesa.
Quem convenceu o presidente a não adotar o expediente foi a primeira-dama e socióloga Rosângela Lula da Silva.
Janja disse a Lula que decretar uma GLO seria entregar o poder dos civis para os militares, argumento que o presidente passou a repetir em entrevistas. Ambos estavam em Araraquara (SP), visitando a cidade governada pelo PT, atingida pelas chuvas na época.
Vale ressaltar que, enquanto era funcionária da Itaipu Binacional e residente no Rio de Janeiro, Janja foi convidada a fazer o Curso de Altos Estudos de Polícia e Estratégia (Caepe), da Escola Superior de Guerra (ESG). Em 2011, defendeu a monografia “Mulher e Poder: Relações de gênero nas instituições de defesa e segurança nacional”.
Tanto o ministro da Defesa, José Múcio, quanto o então ministro da Justiça, Flávio Dino, listaram a GLO como opções disponíveis para Lula diante da barafunda do 8 de janeiro.
Guilherme Amado, no portal Metrópoles, publicou, em 19 de janeiro de 2023, que Janja estava ao lado de Lula quando ouviu Múcio, no viva-voz do telefone, sugerir a opção de GLO.
A resposta da primeira-dama foi “GLO não! GLO é golpe! É golpe!”.
No documentário “8/1: A Democracia Resiste”, da GloboNews, dirigido por Julia Duailibi e Rafael Norton, lançado no primeiro aniversário da tentativa de golpe, Lula afirmou isso com todas as letras: “Foi a Janja que me avisou: ‘Não aceita GLO, porque GLO é tudo o que eles querem, é tomar conta do governo’. Se eu dou autoridade para eles [militares], eu tinha entregado o poder para eles”, disse.
A Júlia Chaib, do jornal Folha de S.Paulo, Lula falou sobre isso, mostrando a desconfiança com militares naquele momento: “Nas conversas que eu tive com o ministro Flávio Dino, e foram muitas conversas, dentre várias coisas que ele me falou, ele aventou que uma das possibilidades era fazer GLO. E eu disse que não teria GLO. Eu não faria GLO, porque quem quiser o poder que dispute as eleições e ganhe, como eu ganhei as eleições”, disse.
Sem GLO, a solução adotada foi a intervenção na área de Segurança Pública do Distrito Federal, tendo à frente o então secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli.
Depoimentos mostram GLO como desejo bolsonarista
Segundo depoimento do brigadeiro Batista Júnior, então comandante da Aeronáutica, em uma das reuniões da cúpula das Forças Armadas com Bolsonaro, a partir de novembro de 2022, o ex-presidente aventou a “hipótese de atentar contra o regime democrático por meio de institutos previstos na Constituição (GLO, estado de defesa ou de sítio)”.
Foi nesse momento que, segundo Batista Júnior, seu colega, o general Freire Gomes, então comandante do Exército, alertou que teria que prender Bolsonaro caso ele fizesse isso.
Em junho do ano passado, a Polícia Federal havia encontrado um documento no celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, defendendo e decretando uma GLO junto com um Estado de sítio. E, em fevereiro deste ano, a PF descobriu documento semelhante na sala de Bolsonaro na sede do PL, em Brasília.
O texto sustentava a ruptura do Estado Democrático de Direito, dizendo que a ação via GLO estaria “dentro das quatro linhas da Constituição” — expressão utilizada diuturnamente pelo ex-presidente. O estopim seria uma situação de risco à ordem pública, como vandalizar as sedes dos Três Poderes.
O general Freire Gomes confirmou, em seu depoimento à PF, que o conteúdo desse decreto golpista, tendo a GLO como aríete, foi lido aos comandantes militares em 7 de dezembro de 2022 por Filipe Martins, então assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, em reunião convocada por Bolsonaro no Palácio da Alvorada.
O uso da GLO era consensual pelo golpismo bolsonarista
O coronel da reserva Laércio Vergílio afirmou em seu depoimento à Polícia Federal que defendeu uma “operação especial”, com a decretação de uma GLO temporariamente “até que a normalidade constitucional se reestabelecesse”.
Isso incluiria a prisão do ministro do STF e presidente do TSE Alexandre de Moraes para a retomada da harmonia entre os poderes. Ou seja, Bolsonaro no poder. Vergílio não vê isso como golpe de Estado, afirmando que esses instrumentos estão previstos na Constituição – argumento do próprio decreto golpista.
A intenção original era que um golpe fosse dado com Jair ainda no poder, com o próprio decretando a GLO. Mensagens obtidas pela PF mostram que Mauro Cid atuou para organizar um grande protesto contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal no aniversário da Proclamação da República. Ou seja, a ideia era que o 8/1/2023 fosse em 15/11/2022.
Na conversa, cujo interlocutor era o major das Forças Especiais do Exército, Rafael Martins de Oliveira, Cid disse conseguiria R$ 100 mil para cobrir os gastos dos que tivessem que ir a Brasília, proveniente de doadores. A investigação apontam para empresários ligados ao agronegócio.
Mas, com o plano A, de tentar um golpe ainda sentado na cadeira presidencial, frustrado, veio o plano B: fomentar atos golpistas contra as sedes dos Três Poderes e, a partir da decretação de uma GLO pelo governo Lula, contar com militares simpáticos a Jair na estrutura das Forças Armadas para virar a mesa.
Não se sabe se, decretada uma GLO, a crise teria se aprofundado com setores fiéis a Bolsonaro nas Forças Armadas aproveitando que o controle da segurança na capital federal estivesse com os militares para tentar um golpe. Mas, por via das dúvidas, a primeira-dama convenceu Lula a não fazer o que Bolsonaro queria.
Publicado originalmente no Uol