
Por Leonardo Sakamoto, no UOL
Mulheres representam 51,5% da população brasileira, segundo o Censo 2022. Contudo, das 513 pessoas eleitas à Câmara dos Deputados, apenas 18% eram mulheres — aliás, dos 1.055 deputados estaduais e distritais eleitos, também 18% eram mulheres. Dos 81 membros em exercício do Senado, pouco mais de 18% são mulheres. Entre os 38 ministérios e demais órgãos com o mesmo status no governo federal, 26% são ocupados por mulheres. Entre os 27 governadores, duas (7%) são mulheres. Dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, há apenas uma mulher, ou seja, 9%.
Lula tem a chance de melhorar essas estatísticas vergonhosas indicando uma mulher para a vaga no STF que será aberta com a saída do ministro Luís Roberto Barroso — mais especificamente, uma mulher negra, caso queira começar a pagar uma dívida histórica com a numerosa parcela da população que leva o país nas costas.
Esses números, principalmente o excesso de 18, apontam que o Brasil ainda não atingiu a sua maioridade política.
A participação de mulheres no Legislativo e na cúpula do Executivo vai crescendo, mas muito vagarosamente — o bastante para não trincar a hegemonia da cueca.
Hoje, o sistema político brasileiro funciona como um clubinho masculino e branco, que dificulta a entrada de novos integrantes. Ressalte-se que o Parlamento, a Suprema Corte e o Palácio do Planalto não estão desconectados do tecido social do país, por certo, uma vez que a proporção de mulheres nos conselhos de grandes empresas ou entre o total de cargos executivos também é bem menor que a de homens. O mesmo vale para chefias de redações da imprensa, que têm uma maioria de mulheres na base. Entre os 20 presidentes dos clubes da Série A do futebol brasileiro, há apenas uma mulher.
Aumentar a participação de mulheres significa diminuir a de homens e, a de negros, reduzirá a de brancos. E isso tem gerado obstáculos. Líderes partidários, em sua maioria homens brancos, chegam ao ponto de atuar para que mulheres e negros participem do pleito, para angariar votos a outras candidaturas, mas não tenham tanta exposição a ponto de serem eleitos. E, para piorar, o Congresso aprova para si mesmo, de tempos em tempos, anistias a partidos que desrespeitam as cotas para mulheres e negros — da esquerda à direita.

É impossível que uma política composta de homens, brancos, héteros e ricos, por mais boa vontade que tenham (e boa parte não tem), possa entender a realidade de outros grupos historicamente excluídos de sua cidadania e falar por eles. Há aspectos que dizem respeito à vida e à dignidade das mulheres que não temos legitimidade para discutir e decidir, mas muitos acham que são donos dos úteros alheios.
As estruturas políticas brasileiras são autoritárias e pouco democráticas, com regras internas que mudam ao sabor do vento, favorecendo quem está em seu controle. Isso faz com que se pareçam mais com feudos do que com instâncias de debate e construção coletiva. A Reforma Política discutiu, discutiu e acabou por facilitar — para o curto prazo — a reeleição de quem já está no poder. O sequestro do orçamento pelo Congresso e a farra das emendas também. Com isso, perdemos uma boa oportunidade para melhorar nossa democracia e reduzir nosso machismo e racismo estruturais.
Os ufanistas dirão que nunca antes na história deste país houve tantas mulheres em um governo. Mas Lula ainda está devendo representatividade ao grupo que lhe deu uma significativa margem de votos. Usar a justificativa de que o que importa é a competência, como se mulheres não fossem competentes, fará com que Luiz fique com a cara de Jair.
Representatividade importa, inclusive porque pode refletir nas decisões.
Sônia Maria de Jesus foi resgatada de trabalho escravo doméstico por uma equipe de fiscalização na casa do desembargador Jorge Luiz de Borba, em Florianópolis (SC), em junho de 2023, e levada de volta por ele para sua residência, com anuência do STJ e do STF, três meses depois. Ela trabalhou por mais de três décadas para a mesma família. Negra, surda e analfabeta, nunca havia sido ensinada a ela a linguagem de sinais. Após o resgate, Borba justificou-se dizendo que ela era sua filha afetiva, prometendo adotá-la. Ele e a esposa foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República pelo crime de trabalho escravo.
Com aval do ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça, o desembargador levou Sônia de volta para a casa dele. Logo após a decisão de Campbell, o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, negou um habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União contra a decisão do STJ.
Talvez, se fossem mulheres negras tomando essas decisões, conseguindo se colocar no lugar de Sônia, ela teria sido diferente. Ou talvez não. Mas apenas a existência dessa dúvida já mostra o quanto ainda precisamos caminhar.