Sakamoto: Lula vai perder em costumes e ganhar em pautas de mercado

Atualizado em 30 de maio de 2024 às 12:57
Prédio do Congresso Nacional sob nuvens carregadas. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

A derrubada dos vetos de Lula eram favas contadas, tanto que o próprio governo adiou o quanto pode a análise deles pelo Congresso Nacional. Não creio que isso vá gerar uma crise maior que a que foi instituída, anos atrás, com o sequestro do orçamento pelo parlamento, mas deveria lembrar uma máxima deste governo: ele vai perder em pautas de costumes e comportamentos e ganhar naquelas que interessam ao mercado.

É amplamente conhecido que o governo Lula não tem votos suficientes para avançar uma agenda progressista. Quem bate pernas no Congresso Nacional sabe que o momento de trincheira, aberto durante a Era Bolsonaro para evitar derrocada de direitos e proteções efetivados desde a Constituição de 1988, continua.

Sim, deveríamos estar debatendo no Congresso a ampliacão na efetivação dos direitos reprodutivos das mulheres, a implementação de uma efetiva política de adaptação para mudanças climáticas e a regulamentação do confisco de propriedades de quem for condenado por trabalho escravo, como prevê a Constituição. Mas os parlamentares estão discutindo como dificultar o direito ao aborto a mulheres estupradas, como aprovar leis que perdoam desmatamentos que pioram tragédias como a do Rio Grande do Sul e como avançar com projetos que tentam dificultar o resgate de escravizados.

Este Congresso é mais conservador que o anterior, que por sua vez, já era mais conservador que aquele que veio antes. Bolsonaro não conseguiu aprovar um naco dos seus grandes retrocessos porque a legislatura anterior apontou que aquilo era demais, como redução da maioridade penal. Mas se a pauta for votada nesta, já é difícil apontar o que aconteceria.

Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara. Foto: Mario Agra/Câmara dos Deputados

Somam-se a esses temas de costumes e comportamento os que interessam a alguns grupos conservadores, como a bancada ruralista. Prova disso, é que os direitos dos indígenas, como a questão do marco temporal, vão virando vinagre. Se não fosse a Suprema Corte para barrar a inconstitucionalidade, a situação seria muito pior. Não à toa, o STF apanha tanto.

Toda vez que o governo federal entrar em bola dividida nesses temas, vai perder. Claro que precisa entrar, mesmo que para perder, como foi o caso das saidinhas de presos, como uma sinalização civilizatória. Terá, contudo, que avançar com o que for possível usando as ferramentas que já têm.

Da mesma forma, o mesmo governo que é apontado como derrotado por parte dos analistas, é saudado como vitorioso no Congresso quando o tema são pautas econômicas. Ele conseguiu aprovar a Reforma Tributária, o arcabouço fiscal, o retorno do ganho real do salário mínimo, entre outras pautas.

Tirando pautas como o retorno do ganho real do salário mínimo e algumas tributações de ricos (que aliás, já são adotadas pelo mundo civilizado), o governo tem conseguido aprovar medidas que estão alinhadas ao mercado, ou seja, a um ponto de vista liberal. Em outras palavras: aos financiadores e parceiros de parte dos parlamentares.

Tanto que a chance de o governo conseguir aprovar a segunda parte da Reforma Tributária, ou seja, a reforma do imposto de renda para garantir um aumento progressivo na tributação dos super-ricos e uma redução progressiva na tributação da classe trabalhadora, é menor menor que a chance do tal camelo passar pelo buraco da tal agulha.

É importante um Congresso que represente tanto à direita quanto à esquerda do país. Infelizmente, o que temos são muitos deputados e senadores que agem de forma disfuncional, que não sabem debater grandes temas, agindo como vereadores federais, mandando emendas para eleição de prefeitos e vereadores a fim de conquistar sua reeleição mais pra frente. Somam-se a eles, parlamentares que reduzem a política a uma guerra infanti-juvenil nas redes sociais. Enquanto o Brasil, seja à esquerda ou à direita, não votar pensando no Brasil, é isso que vamos ter.

Como me disse um cardeal da política em Brasília ao final da eleição de 2022: este será um governo mais parecido com o de Sarney do que com o primeiro de Lula, ou seja, uma gestão de transição. Por conta deste Congresso eleito, não esperem a aprovação de nada revolucionário. Depois de um silêncio, ele completou: e civilizatório.

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