
Por Leonardo Sakamoto, no UOL
Escrevo este texto no meu celular, iluminado por uma prosaica vela aqui em casa, onde a falta de energia elétrica, tal qual uma festa de carnaval de Recife, não tem hora para acabar. Não é a primeira vez, nem será a última. Quando chove ou venta um pouco mais forte, a chance de ficarmos no escuro é grande. E olha que eu moro em um bairro de classe média de São Paulo; na periferia, onde vivem meus pais, a situação é muito pior — e o desrespeito do setor privado e do poder público, bem maior.
Segundo a Enel, 2,2 milhões de imóveis estavam sem energia na Grande São Paulo às 18h45 desta quarta-feira (10), sendo 1,5 milhão na capital paulista. Desta vez, a desculpa para o apagão foram ventos que chegaram a 98 km/h. Se fosse a primeira vez em que isso acontece, vá lá. Mas, infelizmente, essa é a rotina.
Mais de dois milhões de paulistas ficaram 24 horas sem luz depois que uma tempestade atingiu a capital e o interior no dia 3 de novembro de 2024. Nessa data, os ventos chegaram a 104 km/h. Isso nos ensinou uma lição: a ter paciência. Pois, em 11 de outubro do ano passado, mais de 1,6 milhão estavam sem luz 14 horas após o temporal que atingiu São Paulo, inclusive na capital.
Ventos de 100 km/h podem arrancar plantas saudáveis, mas, em muitos pontos da cidade, espécimes carcomidos por cupins ou com raízes podres caem com rajadas bem mais fracas que isso. Galhos próximos dos fios, que causam problemas, ficam num jogo de empurra entre a Enel e a Prefeitura.
Na busca por aumentar seu faturamento, a empresa não fez o investimento necessário em manutenção preventiva da rede elétrica e, durante um bom tempo, reduziu sua força de trabalho direta e indireta, o que faz falta em momentos de crise. Infelizmente, as concessões de serviços públicos não interessam à maioria da população no período eleitoral. No último pleito municipal, tinha mais gente interessada em saber o que pensam os candidatos sobre a Venezuela e o Hamas do que sobre a capacidade da cidade de fazer frente às mudanças climáticas.
Quais são as atrações da maior cidade do país? No inverno, um ar podre e irrespirável, fruto da grave seca na Amazônia e dos incêndios criminosos no interior do estado. Já no verão, temos os apagões de energia elétrica, resultados de tempestades também potencializadas pelas mudanças climáticas, somadas à incompetência da concessionária e do poder público.
A maior cidade do continente americano não está preparada para enfrentar o que vem por aí. Uma das palavras-chave durante a COP30, cúpula do clima das Nações Unidas realizada este ano em Belém, foi adaptação. Coisa que não fazemos, enquanto eventos climáticos extremos ocorrem com cada vez mais frequência, jogando a nossa vida no breu.
Moradores de regiões ricas e protegidas, que nunca precisarão se preocupar se o seu barraco está em área de risco, estão sentindo seu cotidiano mudar com a falta de energia. Por enquanto, a tragédia é ficar sem eletricidade para carregar o celular, mas, em breve, a água chega ao pescoço.
Precisamos preparar São Paulo para essa nova realidade, cuidando principalmente de quem pode perder a vida e todo o seu pouco patrimônio. Da emissão de gases dos automóveis ao consumo desenfreado que ajuda a desmatar a Amazônia, São Paulo é vítima do clima, mas também seu algoz. E somos todos cúmplices disso, tanto pelas nossas escolhas políticas quanto pelo nosso comportamento de consumo.
São Paulo deveria estar sendo adaptada para uma realidade de caos — responsabilidade da Prefeitura, mas também dos governos estadual e federal. Mas as alterações são cosméticas, o que vai custar muitas vidas em breve.
Para discutir planos, contudo, a luz precisa estar acesa. Enel?
