
Por: Leonardo Sakamoto
A maior parte dos brasileiros ficou chocada com a destruição trazida por tornados que se formaram no Paraná com a passagem de um ciclone extratropical. Ao menos, sete pessoas perderam a vida e há mais de 700 feridos. A maioria, mas não todos, pois negacionistas climáticos nas redes estão defendendo que as cenas de destruição na região Sul são imagens e vídeos criados por IA.
Como a realidade não cabe na sua matriz de interpretacão do mundo, alegam que tudo é uma invenção de uma inteligência artificial, ao invés de parar e refletir sobre o fato de suas crenças se colocarem acima de dados científicos coletados ao longo de décadas. E são incapazes de sentir empatia pelas vítimas de eventos climáticos extremos, porque não se veem refletidos nelas.
Não vou dar o santo, apenas citar o milagre, para não acender vela para quem merece. Dois exemplos: “Para cobrir o fracasso da COP, o Nine mandou seus lacaios criarem vídeos de IA para produzir uma catástrofe no Paraná. Ninguém acredita mais em vocês, idiotas!!!”
Ou: “Videozinho de AI muito dos mal feitos!!! Não adianta mesmo né, a MENTIRA está no DNA de vocês. Vocês são doentes (…) Essa histórinha de aquecimento global é papinho de regimes socialistas + comunistas para continuarem tirando dinheiro do povo, para encherem os próprios bolsos, viverem na riqueza enquanto o povo ignorante intelectual (assim como você) continuam sustentando esses corruptos e bandidos”.
É desrespeitoso com a população de Rio Bonito do Iguaçu, que teve 90% da cidade destruída, afirmar que sua dor é fruto de IA. Mas um dos impactos à discussão pública trazidos pela popularização de ferramentas de construção e reconstrução da realidade através de inteligência artificial generativa é que fotos, áudios e vídeos deixaram de ser provas e irrefutáveis sobre qualquer coisa.
Enquanto há aqueles que acreditam em qualquer vídeo, outros desconfiam de qualquer um, exatamente por conta da popularização da IA. A questão é que há gente de má fé usando isso para desinformar sobre as mudanças climáticas, colocando em risco futuro coletivo.
O número de brasileiros que acredita que as mudanças climáticas não são um risco subiu de 5%, em junho de 2024, para 9%, em abril de 2025, segundo o Datafolha — a margem de erro é de dois pontos. Com isso, essa parcela da população ultrapassou numericamente outra, que defende que a Terra é plana. Em abril do ano passado, o Datafolha apontou que os terraplanistas perfaziam 8%.
O fato de 53% afirmarem que as mudanças climáticas são um risco imediato não alivia o extremo incômodo de o país ver o crescimento daqueles que vivem apartados da realidade. Pois uma coisa é acreditar em fantasias individuais que fazem mal a si mesmo, outra é fazer parte de um grupo que duvida do impacto das ações humanas para o futuro do planeta.
E se duvida, continua apoiando a emissão de gases de efeito estufa de forma incontrolada e irresponsável, em um momento em que vemos o Acordo de Paris para controlar o aumento da temperatura do planeta fazer água. Os defensores da Terra plana fazem mal, na maioria das vezes, apenas a si e a seus filhos, já os defensores de que as mudanças climáticas não são um risco condenam todos a uma vida de caos.
Centenas de mortos com as enchentes no Rio Grande do Sul, mortes com as secas na Amazônia, mortes com os incêndios no Pantanal, mortes com os deslizamentos de terra no Rio de Janeiro, mortes com o ar irrespirável da fumaça de queimadas em São Paulo, mortes com o ciclone extratropical que se formou na região Sul deveriam bastar para mostrar aos céticos o nosso novo normal.

Fazer com que pessoas acreditem que tudo está mudando sem que sintam isso na pele é difícil. Em tese, esses terríveis eventos extremos têm a capacidade de mobilizar por mudanças. Mas, como temos visto, não é para todos.
O que confirma que a inteligência artificial não é páreo para burrice humana. E burrice não é a falta de um conhecimento específico, nem não saber separar sujeito e predicado por vírgula. Burrice é encarar preconceitos violentos como sabedoria. Burrice, montada na soberba, pensa que já sabe de tudo a ponto de tachar os que discordam de sua visão de mundo como mal informados, comprados ou manipulados sem apresentar dados que corroborem a crítica.
O problema da burrice analógica é que ela sempre tenta destruir, de forma violenta, o conhecimento que ameaça jogar luz sobre ela própria.
Publicado originalmente na UOL.