Sakamoto: Nikolas antecipa o apocalipse com desinformação nas escolas sobre o clima

Atualizado em 3 de novembro de 2025 às 23:56
Dezenas morreram nos incêndios na Califórnia, mais um evento climático extremo
Dezenas morreram nos incêndios na Califórnia, mais um evento climático extremo -Reprodução/Redes Sociais

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

Mais uma anedota que o Brasil produz para os anais da COP 30. Quando um deputado conhecido e com alcance midiático, como Nikolas Ferreira (PL-MG), defende que o currículo escolar traga “multiplicidade de pontos de vista” sobre as mudanças climáticas, para evitar “doutrinação”, e promover o debate, ele tenta se vender como ponderado, mas está apenas antecipando o fim do mundo. Vale a leitura da matéria de Felipe Pereira, no UOL, hoje, sobre o assunto.

É minúscula a fração dos cientistas que considera que termos lançado uma quantidade absurda de carbono na atmosfera através da queima de petróleo, madeira e carvão nos últimos 200 anos não gerou efeito estufa e esquentou a temperatura média do planeta. Embasar um projeto de lei para formar crianças e adolescentes em um grupo criticado por distorcer dados não é ser sensato.

Mudanças climáticas são um fato, não uma questão de opinião ou de interpretação da realidade, como discutir em uma mesa de boteco quem é melhor, o Palmeiras ou o Flamengo. Quem diz que que as ações humanas alteraram as dinâmicas do planeta, aumentando a frequência de eventos climáticos extremos, é corroborado por toneladas de dados, evidências e provas reunidas por cientistas nas últimas décadas.

Discordar disso é semelhante a afirmar que o Palmeiras é pior que o Pão de Queijo, glorioso time de várzea da zona oeste de São Paulo. Podemos entender do ponto de vista afetivo, mas objetivamente, é falta de informação, loucura ou má fé.

Temos o negacionista-raiz, cujo grupo político estava desgovernando o Brasil até 2022. Se o seu golpe de Estado tivesse dado certo, estaria agora dando continuidade ao desserviço climático. Representantes desse grupo já disseram que os termômetros que mediam a temperatura do mundo estavam no mato e hoje estão no asfalto, por isso a diferença de temperatura (é sério). Mas temos o negacionista light, muito reconhecido por frases como “as mudanças climáticas são reais, mas são menos graves do que se imagina”. Com isso, quer continuar ganhando dinheiro sem alterar o modelo de desenvolvimento.

O número de brasileiros que acredita que as mudanças climáticas não são um risco subiu de 5%, em junho de 2024, para 9%, em abril de 2025, segundo o Datafolha — a margem de erro é de dois pontos. Com isso, essa parcela “esperta” da população ultrapassou numericamente outra, que defende que o planeta Terra tem o formato de uma pizza, de uma panqueca, de um frisbee. Em abril do ano passado, o Datafolha apontou que os terraplanistas perfaziam 8%.

Esse tipo de crescimento se deve à promoção da desinformação ou da deformação do ensino.

O fato de 53% afirmarem que as mudanças climáticas são um risco imediato não alivia o extremo incômodo de o país ver o crescimento daqueles que vivem apartados da realidade. Pois uma coisa é acreditar em fantasias individuais que fazem mal a si mesmo, outra é fazer parte de um grupo que duvida do impacto das ações humanas para o futuro do planeta.

E, por duvidar, continua apoiando a emissão de gases de efeito estufa de forma incontrolada e irresponsável, em um momento em que vemos o Acordo de Paris para controlar o aumento da temperatura do planeta fazer água.

Nikolas Ferreira sério, falando, no estúdio do Metrópoles
O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) – Reprodução/Metrópoles

Os defensores da Terra plana fazem mal, na maioria das vezes, apenas a si e a seus filhos. São eles que vão desmarcar viagens para Austrália, com medo de cair no grande abismo, ou vão passar vergonha com amigos e colegas de trabalho quando tentarem explicar sua crença. Tudo bem que quem acredita nisso, crê em qualquer bobagem, do tipo, vacinas para covid-19 são uma enganação. Mas ainda assim, essa pauta não leva ao Armagedom.

Já os defensores de que as mudanças climáticas não são um risco condenam todos a uma vida de caos.

O Brasil teve, nos últimos anos, um vislumbre do que será o seu futuro com inundações no Rio Grande do Sul, secas na Amazônia, incêndios descontrolados no Pantanal, o dia virando noite com a fuligem cobrindo o céu de São Paulo e um calor infernal tomando conta da maior parte do país, reduzindo a produção agrícola e jogando a inflação de alimentos lá em cima.

Não estou dizendo que quem não vê risco nas mudanças climáticas acredita na Terra Plana, mas ambos grupos são negacionistas. E o negacionismo, como uma doença, viraliza e contamina.

Vale a pena mantermos a insistência em levar números e dados para essa parcela que vive em realidade paralela, e discutir com eles a importância de se guiar por fatos, a fim de que não se reproduzam socialmente.

Mas não devemos subestimar a esperteza de quem promove a ignorância. Ressalte-se que também são 8% os que acreditam que um regime ditatorial é aceitável no Brasil, segundo Datafolha de dezembro. Eram 5% em 2022.