Sakamoto: Padrasto que engravidou menina de 13 anos mostra crueldade de decisão da Câmara

Atualizado em 14 de novembro de 2025 às 9:11
imagem ilustrativa abuso infantil

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

Casos como o do homem que estuprou uma menina de 13 anos, em Santa Catarina, tornando-se pai da filha da enteada, podem se multiplicar graças à Câmara dos Deputados, que dificultou o aborto de crianças e adolescentes estupradas na semana passada.

O estupro foi descoberto quando a criança foi registrar a outra criança recém-nascida e o cartório estranhou a idade da mãe e acionou o Ministério Público. A mãe da menina estuprada ainda tentou defender o marido, mas ele foi preso.

Recordar é viver: a Câmara decidiu aprofundar o sofrimento de meninas estupradas ao aprovar, por 317 votos, um projeto de decreto legislativo para derrubar regras sobre o aborto legal em crianças e adolescentes, dificultando a interrupção da gravidez. Ela anula uma resolução aprovada pelo Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) que estabelecia diretrizes para o aborto já garantido por lei a esse grupo.

A resolução garantia, por exemplo, que o hospital não pode criar obstáculos adicionais ao direito já assegurado, como a exigência de exames desnecessários com o fim de postergar o procedimento, aumentando o trauma e os riscos à saúde da vítima. Também afirmava que não havia limite de tempo de gravidez para a interrupção e possibilitava que o aborto não precisasse da autorização dos responsáveis em alguns casos.

Mulher sorrindo com cartaz dizendo que aborto é questão de saúde pública
Protesto em favor da legalização do aborto – Rovena Rosa/Agência Brasil

O caso do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, é exemplar do porquê de a resolução ser tão importante. Muitas crianças ficam grávidas após serem estupradas por membros da família, como padrastos, pais, tios, irmãos e avôs, situação que só é descoberta quando a gestação está avançada. A mãe da menina do caso acima estava ao lado do marido estuprador, não da filha estuprada.

Mas, aparentemente, para uma parcela significativa dos nossos representantes, o sofrimento de uma criança grávida de seu estuprador não é suficiente. É preciso transformar o Estado, que deveria ser seu protetor, em cúmplice do agressor, forçando-a a carregar nas entranhas a lembrança de uma violência brutal.

Como aqui já se disse, ao Senado cabe não aprovar o retrocesso. E, ao STF, reconhecer que o Poder Executivo, ao qual o Conanda está vinculado, tem competência para resoluções como essa. E que meninas não deveriam ser mães, muito menos quando são estupradas pelo padrasto.

Como o cidadão comum pode ajudar? Refletir antes de reeleger os 317 é um bom ponto de partida.