
Por Leonardo Sakamoto, no UOL
A história é surreal: criminosos que adulteraram bebidas alcoólicas que mataram e internaram brasileiros nas últimas semanas teriam usado etanol batizado ilegalmente com metanol em um posto de combustível. Como esse tipo de prática é comum em estabelecimentos controlados pelo PCC para lavar dinheiro, é possível que a facção tenha, sem saber, matado gente por tabela.
A Polícia Civil de São Paulo fechou hoje uma fábrica clandestina suspeita de produzir bebidas alcoólicas adulteradas com metanol em São Bernardo do Campo (SP). O que chamou a atenção é que os criminosos compraram etanol de um posto para adulterar as bebidas sem saber que o combustível já estava adulterado com metanol.
Não é brincadeira: ladrão que rouba ladrão deixa gente morta e sem visão.
“O que aconteceu, que nós estamos concluindo, é que criminosos foram prejudicados por uma organização criminosa”, afirmou o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite.
Ele afirmou que não há indício de participação do PCC na adulteração das bebidas: “O crime organizado, lucrando exponencialmente, tanto com a lavagem de dinheiro, usando CNPJs dos postos de combustíveis, quanto com a adulteração do etanol com o metanol… Na verdade, essa organização criminosa prejudicou esses criminosos que fazem a adulteração da bebida”, apontou.
Mas o fato de que pessoas tenham morrido e ficado com sequelas porque dois crimes cometidos paralelamente se cruzaram é sinal de que as organizações criminosas estão tão imbricadas na sociedade brasileira que nem a polícia, nem elas mesmas sabem em que momento começa a atuação de uma e termina a de outra.

Se os falsificadores soubessem que o posto era do PCC, talvez desconfiassem que o etanol estaria batizado e que isso, lá na frente, lhes traria dor de cabeça, uma vez que o produto se tornaria veneno, causaria uma crise e poderia comprometer o próprio negócio.
O episódio serve como uma alegoria sombria da teia criminosa que se entranhou no país. A sobreposição de ilegalidades (em que o crime organizado lava dinheiro adulterando combustível, e criminosos de menor escalão compram esse produto para falsificar bebidas) criou um ciclo letal de consequências imprevistas.
A sociedade, no entanto, é quem paga o preço final, envenenada por um ecossistema perverso em que nenhum elo da cadeia ilegal tem controle ou preocupação com o dano coletivo.
Assim, a tragédia das bebidas adulteradas escancara uma realidade aterradora: o crime no Brasil se tornou uma hidra de muitas cabeças, tão complexa e interligada que suas próprias vísceras começam a se digladiar, com o cidadão comum no meio do fogo cruzado.
O caso não é apenas sobre bebidas envenenadas, mas sobre o corpo social no Estado de São Paulo, intoxicado por estruturas paralelas de poder que corrompem tudo — do combustível à bebida —, demonstrando que a fronteira entre o legal e o ilegal está tão borrada que até os próprios criminosos já não conseguem mapear os perigos que criam.