
Por Leonardo Sakamoto:
A PEC da Blindagem, aprovada ontem pela Câmara dos Deputados, dificulta a punição de parlamentares ao condicionar a abertura de processo criminal a uma decisão de seus pares por maioria absoluta. Isso pode beneficiar aqueles que cometem crimes comuns, como trabalho escravo. Ah, sim, temos vários casos de deputados pegos atropelando a Lei Áurea.
Diz o projeto: “Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Casa”. O Supremo Tribunal Federal limitou a prerrogativa de foro a questões ocorridas durante o mandato e que têm relação com ele.
Mas o Congresso tenta estender isso, tentando transformar algo que é uma prerrogativa para a proteção do exercício do mandato em um privilégio pessoal.
O foco dos parlamentares é evitar punições por conta de crimes cometidos no envio de emendas parlamentares, cujas sacanagens vêm sendo escrutinadas pela Polícia Federal sob a batuta do ministro Flávio Dino, do STF. Há repasses de acordo com a lei, transparentes, que prestam contas e úteis à sociedade, outros que viram coquetel de camarão na beira da praia e caixa 2 na próxima eleição.
Mas a mudança é tão safada que pode acabar beneficiando quem comete outros crimes, de traição ao próprio país, passando por promiscuidade com o PCC até violência doméstica e trabalho escravo. O texto é uma cartela de bingo cheia de pontos para o STF gritar “inconstitucional!”, mas é mais briga que enfraquece as instituições.
Com base em investigações do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério Público do Trabalho, do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, entre outros órgão, deputados federais já foram autuados por flagrantes de exploração de trabalho análogo à escravidão em suas propriedades rurais.

Passaram pela “lista suja” do trabalho escravo, o cadastro do governo federal dos empregadores responsabilizados por trabalho escravo, nomes que foram importantes como Inocêncio Gomes de Oliveira (PL-PE), que, aliás, foi presidente da Câmara, Beto Mansur (MDB-SP), Leonardo Picciani (MDB-RJ), Urzeni Rocha (PSDB-RR) e João Lyra (já falecido).
É competência da Justiça Federal o julgamento de crimes por trabalho escravo que, claramente, não têm relação alguma com o mandato de um deputado. Pelo contrário, depõe contra ele. E se hoje já é difícil conseguir uma condenação final de algum poderoso por escravizar pessoas, imagine com uma proposta dessas sendo aprovada. Pois se Senado cavalgar junto com a Câmara no texto de ontem, vai ter ruralista usando a ajuda dos colegas para evitar punições.
Afinal de contas, só há uma coisa que muitos deputados da poderosa Bancada Ruralista xingam tanto quanto o bloqueio de emendas pelo STF: a fiscalização do trabalho rural.
Publicado originalmente em UOL