Sakamoto: Primeiro dia de julgamento do golpe mostra que vivemos momento histórico

Atualizado em 3 de setembro de 2025 às 8:23
Ministro Alexandre de Moraes lê relatório durante julgamento da trama golpista – Foto: Gustavo Moreno/STF

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

O ponto mais importante do primeiro dia do julgamento da tentativa de golpe de Estado de Jair Bolsonaro e outros sete réus não foi um depoimento bombástico ou uma prova até então desconhecida, tampouco as defesas dos advogados de parte dos réus. Foi a reafirmação do caráter histórico e pedagógico do processo.

O STF não está apenas julgando crimes, mas enviando uma mensagem clara às gerações presentes e futuras: a de que as instituições têm o dever e a obrigação de responder a quem tenta arrombar a democracia; a de que não é aceitável um presidente da República acreditarem que podem atropelar as urnas; a de que militares estrelados não têm poder moderador e são servos e não senhores da Constituição.

Moraes, em seu discurso inicial, mandou recado aos políticos bolsonaristas que vêm pedindo anistia aos golpistas sob a justificativa de pacificação da sociedade. Afirmou que não é possível confundir “pacificação” com a “covardia do apaziguamento” — o que, para ele, significa semear novas tentativas de golpe de Estado.

A tônica desta terça foi estabelecida pela leitura meticulosa e contundente do procurador-geral da República, Paulo Gonet. Ele não deixou margem para relativismos. Descreveu os atos dos acusados, com ênfase na convocação dos comandantes das Forças Armadas por Bolsonaro para discutir “soluções” para a sua derrota eleitoral que não fosse a entrega do cargo.

Reforçou que não é necessária uma ordem assinada pelo presidente da República para uma tentativa de golpe ser chamada dessa forma. E praticamente chamou de tonto quem defende o contrário: “Não é preciso um esforço intelectual extraordinário para reconhecer que, quando o presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso”.

 

View this post on Instagram

 

A post shared by Lindbergh Farias (@lindberghfarias)

Lembrou várias vezes que pune-se a tentativa, não o golpe em si, porque tendo o golpe sucesso, seus arquitetos estariam no poder e impediriam qualquer punição.

Advogados de Bolsonaro disseram que ele não irá ao julgamento no STF por questões de saúde — Jair ainda sofre as consequências da facada que levou em 6 de setembro de 2018. Com isso, o ex-presidente (que estava bem para ir a motociatas, gritar com oficiais de justiça e xingar muito em cima de carro de som) reconhece que será condenado e opta por reforçar a estratégia de pleitear o cumprimento da pena em casa por razões humanitárias.

Com o julgamento, o Brasil mostra que entendeu que a democracia não é um presente divino, mas uma construção diária, que exige vigilância, memória e, quando necessário, punição exemplar. Como escrevi mais cedo, o Brasil mostra que atingiu sua maturidade democrática.

O mundo está de olho em nós, pois o julgamento converteu o país em um laboratório. Se formos capazes de enquadrar e punir quem tentou um golpe, há um caminho a ser seguido por outros países ameaçados por líderes autoritários. Que possamos ser farol.