Sakamoto: Prisão de generais que cometeram crimes é antídoto para violência policial

Atualizado em 26 de novembro de 2025 às 10:37
Os generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira (em cima) e Braga Netto e o almirante Almir Garnier Santos. Foto: reprodução

Por Leonardo Sakamoto, no Uol

Investigar, indiciar, denunciar, julgar, condenar e prender generais que se negaram a aceitar o resultado da eleição é tão ou ainda mais importante quanto ter feito o mesmo contra um ex-presidente. Mais do que reparação histórica, isso ajuda a alterar a violência com a qual uma parcela do Estado trata os mais pobres. Pois avisa que, não importa quão estrelado ou armado você é, não vai ficar impune se sair da linha.

Porque o golpismo militar continua vivo não apenas nos militares que insistem em atropelar a vontade popular, mas também na tortura e nas chacinas nas periferias das cidades e do campo pelas mãos dos grupos de policiais que são herdeiros da ideologia e das técnicas desenvolvidas na repressão.

O ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, o ex-ministro da Defesa general Paulo Sérgio Nogueira e o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier foram presos ontem, passando a fazer companhia para o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, general Walter Braga Netto, que já estava detido. Eles estavam no núcleo crucial do golpe, mas já mais militares na fila para serem mandados para a cadeia. E, quem sabe, perder a patente.

Nunca curamos as feridas deixadas por 21 anos de ditadura. Tapamos com um curativo mal feito, ao qual chamamos de anistia, que garantiu impunidade a crimes cometidos pelo Estado. Essas feridas continuam fedendo, apesar dos esforços estéticos.

Dessa forma, temos lidado com o passado como se ele tivesse automaticamente feito as pazes com o presente. E o impacto de não entendermos, refletirmos, discutirmos e resolvermos o nosso passado se faz sentir no dia a dia, com parte do Estado aterrorizando e reprimindo parte da população (normalmente a mais pobre) com a anuência da outra parte (quase sempre a mais rica).

A impunidade dos artífices, comandantes e torturadores do golpe de 1964 ajudou a semear a tentativa de 2022. Mas também a semear o Brasil de violência contra populações marginalizadas cometida por forças de segurança que se sentem invencíveis e cavalgam na impunidade garantida pelo sistema.

A Gloriosa não foi agressiva apenas com intelectuais, artistas e jornalistas, mas também com trabalhadores rurais, com operários, com indígenas, quilombolas, ribeirinhos, entre outros, quando estes se negavam a cumprir o papel estabelecido pelos militares e seus sócios civis no seus planos de “desenvolvimento nacional”. O papel de trabalhar sem reivindicar e de ceder suas terras e seus rios sem reclamar.

Daí, o passado não resolvido sempre volta. Entrincheirado em bons cargos na Esplanada dos Ministérios, camuflado para fugir da Reforma da Previdência, carregado de benefícios de compras públicas de Viagra e próteses penianas superfaturadas, marchando com a mentira de que representa um poder moderador, defendendo a pensão especial para filhas solteiras.

Sim, não é que Bolsonaro perverteu ingênuos generais estrelados. Setores militares estavam com ele desde antes mesmo de seu governo em busca de privilégios, de dinheiro, de poder. O ex-presidente não criou o golpismo militar. Ele sempre esteve aí, inclusive Jair Messias foi nele forjado. Ele só deu à extrema direita organização e sentido através de sua eleição em 2018, inclusive nas Forças Armadas.

Almirante Almir Garnier e Jair Bolsonaro, condenados por golpismo. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A despeito da importância das Forças Armadas para o país e de militares democratas que fizeram resistência à tentativa de golpe, há uma dúvida que deveria afligir mais a jovem democracia brasileira: se a oportunidade que estivesse diante da cúpula militar não fosse a conspiração tosca de Jair, mas algo mais bem costurado, com suporte internacional (imagine se Donald Trump tivesse sido reeleito em 2020) e de setores importantes aqui dentro, ela entraria de cabeça no golpe?

Mas o trabalho ainda não está completo. Falta o Supremo Tribunal Federal reconsiderar suas decisões anteriores e afirmar que crimes contra a humanidade, como a tortura, não podem ser anistiados, nunca. E que os projetos que tramitam no Congresso sejam aprovados para que militares fardados fiquem na caserna, deixando a política para civis.

A história das mortes sob responsabilidade da ditadura precisa ser conhecida e contada nas escolas até entrar nos ossos e vísceras de nossas crianças a fim de que nunca esqueçam que a liberdade do qual desfrutam não foi de mão beijada, mas custou o sangue, a carne e a saudade de muita gente.

Mas também, a partir de agora, a história de que como o Brasil negou a repetição de seu próprio infortúnio, mandando para a cadeia militares e políticos que ousaram contra a ordem democrática, deve ser conhecida e contada, para evitar que versões fantasiosas, vindas das bolhas da realidade paralela, ao final, virem fatos.

Não se trata de vingança e não é sobre o passado, mas sobre o futuro que queremos construir. Como já disse aqui, um país que prende e pune seus golpistas mais estrelados está, finalmente, se tornando adulto. E está dizendo, em alto e bom som, que a democracia não é uma opção, mas a única possibilidade. A maioridade dói. Exige responsabilidade. Mas é o único caminho para seguir em frente.