
Tarcísio de Freitas é o governador do estado demograficamente e economicamente mais relevante do país. Só isso já seria o bastante para que ele tivesse um papel relevante na defesa dos interesses nacionais — interesses que foram colocados em xeque com o tarifaço imposto por Trump aos produtos brasileiros. Para tanto, bastaria dialogar com a instituição responsável por responder aos Estados Unidos, o governo federal. Ao invés disso, o governador parece ter jogado a institucionalidade às favas, satisfeito com a função de office boy de Jair Bolsonaro.
Monica Bergamo, da Folha de S.Paulo, revelou, nesta sexta (11), uma piada involuntária do governador que vai entrar para o anedotário nacional: Tarcísio telefonou para ministros do STF a fim de propor que o tribunal devolvesse o passaporte de Bolsonaro e o liberasse para ir aos EUA negociar com Trump o fim do tarifaço. Como esperado, a assessoria do governador nega que ele tenha feito tal articulação.
Em meio a tudo isso, vale lembrar que 1) o passaporte foi confiscado para evitar que ele fugisse em meio à investigação sobre sua tentativa de golpe de Estado, 2) foi o próprio clã Bolsonaro que incentivou Trump a sancionar o Brasil e 3) Jair perdeu a reeleição, ou seja, se o governo que venceu a eleição quiser a ajuda dele, sabe onde procurá-lo.
Ou seja, se os ministros dissessem sim, seria o equivalente a aceitarem escrever “otário”, em letras garrafais, na própria testa.

Não há dúvida de que, dada a péssima repercussão do tarifaço para Jair, o ex-presidente trabalha com a possibilidade de tentar convencer Trump a voltar atrás e, com isso, obter louros de negociador. Contudo, quem tem, ao menos, dois neurônios, o Tico e o Teco, consideraria uma farsa grotesca o corresponsável pelas sanções ser considerado um herói por removê-las. Mas, por aqui, há sempre um chinelo velho em busca de um pé cansado. E foi de olho nesses pés-cansados que Tarcísio propôs essa chinelagem ao STF.
Tarcísio também afirmou que se reuniu com o encarregado de negócios da Embaixada dos EUA no Brasil para buscar diálogo sobre as tarifas do país aos nossos produtos. Ignorando que ele é governador e não presidente, que é o responsável por esse diálogo via Ministério das Relações Exteriores, tenta colher frutos políticos do processo. Tudo alinhado ao bolsonarismo, que vem culpando Lula pela sacanagem que tem as digitais de Jair.
Após Donald Trump baixar o tarifaço de 50%, o que pode gerar desemprego em massa e perda de bilhões em receita, Tarcísio não criticou o norte-americano, bateu em Lula. Pouco antes, o governador já havia celebrado uma postagem de Trump que atacava o Brasil por processar Jair. Para alguém que vestiu um boné que defende tornar os EUA grande de novo, tudo isso não chega a surpreender. Mas é didático.
Muita gente boa, na política, na imprensa, nas universidades, diz que o governador é um nome da direita liberal e democrata. Aposta que ele apenas paga pedágios ao ex-presidente para poder ter dele a benção eleitoral. Mas esse tipo de comportamento, que atropela instituições, investe no voluntarismo e acredita no personalismo, está na gênese do próprio bolsonarismo. Agindo dessa forma e passando pano para quem ataca nossa democracia e nossa economia, Tarcísio se mostra, na verdade, um bolsonarista-raiz.
Publicado originalmente em UOL