Sanções dos EUA contra petróleo russo podem gerar oportunidades para o Brasil, diz especialista

Atualizado em 28 de outubro de 2025 às 20:41
O professor Alexandre Coelho

POR CACO DE PAULA 

O professor Alexandre Coelho, coordenador acadêmico e professor da Pós Graduação em Política e Relações Internacionais e do MBA em Geopolítica da Transição Energética, ambos da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FEESP), usa exemplos concretos de como eventos políticos internacionais redefinem fluxos energéticos globais — e por que essa é uma das diversas perspectivas  fundamentais para entender a COP 30, conferência que terá início em Belém, no Pará, no próximo dia 10 de novembro. 

Quando os Estados Unidos ameaçaram sancionar empresas chinesas e indianas que compram petróleo russo, poucos brasileiros perceberam a oportunidade estratégica que se abria. China e Índia são as duas maiores importadoras de petróleo russo hoje. Se esses países forem forçados a buscar outros fornecedores, podem redirecionar essas importações para outros países, entre eles o Brasil. 

A Índia, por exemplo, pode procurar outros fornecedores no Oriente Médio ou mesmo no Brasil, conforme demonstra o recente acordo fechado entre a Petrobras e a refinaria indiana Hindustan Petroleum Corporation. Esse é um exemplo da perspectiva de análise de Alexandre Coelho, doutor em Relações Internacionais pela USP, Fellow da Helsinki Geoeconomics Society e especialista em Geopolítica pelo Instituto de Estudos Geopolíticos de Genebra. Para o professor, fatos como esses demonstram por que ignorar a dimensão geopolítica implica perder oportunidades econômicas e estratégicas. 

“Na medida em que a China e a Índia são países afetados, terão de começar a procurar outros fornecedores de petróleo que não sejam a Rússia devido às sanções dos Estados Unidos. De repente, esses países podem voltar os olhos para a América Latina como um dos fornecedores de petróleo”, explicou Coelho ao DCM. 

O professor participará da sessão da manhã do Seminário Pós-COP: O Brasil diante das transformações globais, que será realizado em  24 de novembro, três dias após o encerramento da conferência climática em Belém. Ao lado de Ricardo Abramovay (USP), Gabriel Aidar (BNDES) e Aldo Fornazieri (FESPSP), Coelho trará justamente essa perspectiva frequentemente negligenciada, observando como as disputas de poder entre grandes potências moldam a transição energética global. 

INSCREVA-SE NESTE LINK 

De olho na COP 30

Coelho ainda identifica três eixos fundamentais para avaliar o sucesso da conferência de Belém. O primeiro é o posicionamento do Brasil entre os blocos geopolíticos. O país integra o BRICS, mas mantém relações estratégicas com o Ocidente. Essa posição intermediária pode ser vantajosa ou arriscada, dependendo de como o governo brasileiro a conduz. O segundo eixo é o papel da China e do BRICS no financiamento climático. Pequim é hoje o maior financiador de energia limpa em países em desenvolvimento, mas essa liderança vem acompanhada de dependências estratégicas.

“A China pode ser uma grande parceira na transição energética, principalmente no financiamento de energia limpa”, reconheceu o pesquisador. “Mas é preciso monitorar os graus de vulnerabilidade. Será que o Brasil está, ou não, muito dependente, do ponto de vista comercial e energético , da China? Quais são as distribuidoras e empresas de transmissão de energia elétrica no Brasil hoje? Qual é o grau de vulnerabilidade do país em relação à questão energética?” 

O terceiro eixo é a disputa de poder que as decisões da conferência refletem — ou escondem. Para Coelho, a transição energética não é apenas uma questão técnica ou ambiental: trata-se de uma reconfiguração do poder global. Quem controlar as tecnologias limpas, a exploração e o refino de minerais críticos e as cadeias de energia renovável, por exemplo, será a nova potência deste século.

Conflito na Ucrânia mexe com o preço do barril 

Coelho usa exemplos concretos para demonstrar como eventos políticos internacionais impactam o dia a dia das empresas e dos países. O conflito na Ucrânia causou um pico no preço do petróleo que depois se estabilizou. A Rússia passou a vender seu barril abaixo do preço de mercado para contornar as sanções ocidentais. China e Índia se tornaram os maiores compradores desse petróleo barato. 

Agora, com as ameaças de sanções americanas, esse fluxo pode ser interrompido — criando uma janela de oportunidade para outros exportadores, inclusive latino-americanos.. “Esse é um evento geopolítico  que pode se transformar em uma oportunidade para o Brasil “, explica o professor. 

Outro exemplo: as tarifas impostas por Donald Trump ao Brasil e a outros países. “O quanto as tarifas impostas por Donald Trump ao Brasil e a outros países impactam a transição energética do Brasil? O gestor precisa ter acesso a esse tipo de conhecimento”, argumentou Coelho. 

Brasil na frente 

O pesquisador lembra que o Brasil possui vantagens comparativas significativas e que deve se valer delas para defender seus interesses. “O Brasil hoje já está à frente de diversos países no que se refere à matriz limpa de energia. O país é, na verdade, um modelo até”, afirmou. 

A COP representa uma oportunidade única para o país se posicionar não apenas como guardião da Amazônia, mas também como líder de fato na transição energética global. Contudo, aproveitar essa vantagem exige compreender as disputas em jogo — e é aí que a perspectiva geopolítica se torna indispensável. 

China: parceira estratégica ou nova dependência? 

Especialista em Ásia-Pacífico e co-chair do Comitê de Pesquisas e Estudos de Ásia e do Pacífico da International Political Science Association (IPSA), Coelho destaca o papel ambíguo da China na transição energética global. 

Pequim é, simultaneamente, o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo e o maior investidor em energias renováveis. Financia projetos de energia limpa em dezenas de países, mas também constrói usinas a carvão. É parceiro comercial estratégico do Brasil, mas também concorrente em setores-chave. Essa ambiguidade exige análise sofisticada. Não se trata de demonizar ou idealizar a China, mas de compreender os interesses em jogo e os graus de vulnerabilidade que as parcerias estratégicas podem gerar. 

Transição justa: petróleo ainda será necessário por muito tempo.

Sobre o debate sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, Coelho defende uma análise que vá além da polarização ambiental. “O petróleo ainda vai ser utilizado por muito tempo. O Brasil também precisa se resguardar do ponto de vista da energia com base ainda no petróleo, mas ele também deve, obviamente, caminhar em paralelo à questão da transição energética.” 

O professor cita o conceito de “transição justa”, isto é, não destruir capacidades já construídas enquanto se investe em energias renováveis. Em síntese, trata-se de garantir que a descarbonização da economia não gere desemprego, exclusão social ou desigualdades regionais, mas sim novas oportunidades de trabalho, capacitação profissional e desenvolvimento sustentável, explicou Coelho. 

Formação única no Brasil 

Doutor em Relações Internacionais pela USP e mestre em Direito pela FGV, Coelho construiu carreira como consultor jurídico no sistema financeiro internacional, tendo atuado, por exemplo,  como Consultor Jurídico do  Banco da China e da B3 antes de se dedicar à pesquisa acadêmica. Essa trajetória — que combina o mercado financeiro, as relações internacionais e a academia — confere ao pesquisador uma perspectiva única sobre a interface entre geopolítica e geoeconomia.

O MBA em Geopolítica da Transição Energética, que coordena na FESPSP, oferece uma formação única no Brasil. O curso aborda desde a história das transições energéticas (carvão → petróleo → eletricidade → renováveis) até a análise de risco político aplicada ao setor energético. 

“O foco é muito mais do que apenas o conhecimento geral que você vai ter em relação à transição energética”, explicou o coordenador acadêmico do programa. “É também entender quais são os aspectos relacionados à geoestratégia da energia. Como é que um país se planeja? O gestor, hoje em dia, precisa entender que energia é poder e que poder envolve energia. São dimensões que operam conjuntamente e no cenário de transição energética dominar a variável geopolítica torna-se um diferencial de mercado”.

O MBA é voltado especialmente para profissionais que já atuam na área energética mas não têm formação em geopolítica ou geoeconomia, e para gestores que precisam compreender como eventos políticos internacionais afetam planejamento estratégico e gestão de crises.

Seminário Pós-COP:  O Brasil diante das transformações globais 

24 de novembro de 2025  (segunda-feira); sessões às 10:00-12:30 e 19:00-21:30 

FESPSP – Rua General Jardim, Vila Buarque, São Paulo/SP 

Garanta sua vaga: https://poscop.org/ 

Sessão da Manhã (10:00-12:30) 

Aldo Fornazieri (Professor da FESPSP, Cientista Político) – abertura da sessão 

Ricardo Abramovay (Professor Sênior, Instituto de Energia e Ambiente, USP) 

Gabriel Ferraz Aidar (Superintendente de Planejamento e Pesquisa Econômica, BNDES) 

Alexandre Ramos Coelho (Coordenador do MBA em Geopolítica da Transição Energética, FESPSP) 

Sessão da Noite 19:00-21:30

Painelistas confirmados: 

Aldo Fornazieri (Professor da FESPSP, Cientista Político) – abertura da sessão

Paulo Teixeira (Ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar)  

Luciana Aparecida da Costa (Diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática, BNDES)

Juliano Medeiros (Historiador e Professor Convidado da FESPSP) 

Uma parceria DCM + FESPSP para debater o futuro climático do Brasil com rigor acadêmico e compromisso social. https://poscop.org/