Sanções dos EUA contra petróleo russo podem gerar oportunidades para o Brasil, diz especialista

Atualizado em 27 de outubro de 2025 às 9:21
O professor Alexandre Coelho

POR CACO DE PAULA 

O professor Alexandre Coelho, coordenador acadêmico e professor da Pós Graduação em Política e Relações Internacionais e do MBA em Geopolítica da Transição Energética, ambos da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FEESP), usa exemplos concretos de como eventos políticos internacionais redefinem fluxos energéticos globais — e por que essa é uma das diversas perspectivas  fundamentais para entender a COP 30, conferência que terá início em Belém, no Pará, no próximo dia 10 de novembro. 

Quando os Estados Unidos ameaçaram sancionar empresas chinesas e indianas que compram diesel russo, poucos brasileiros perceberam a oportunidade estratégica que se abria. China e Índia são os dois maiores importadores de petróleo russo hoje. Se esses países forem forçados a buscar outros fornecedores, podem redirecionar essas importações para outros países, entre eles o Brasil. 

Esse é um exemplo da perspectiva de análise de Alexandre Ramos Coelho, doutor em Relações Internacionais pela USP, Fellow da Helsinki Geoeconomics Society e especialista em Geopolítica pelo Instituto de Estudos Geopolíticos de Genebra, Para o professor, fatos como esses demonstram por que ignorar a dimensão geopolítica significa perder oportunidades econômicas e estratégicas. 

“Na medida em que China e a Índia são países impactados, terão de começar a procurar outros fornecedores de petróleo que não seja a Rússia por causa das sanções dos Estados Unidos. De repente, ela pode voltar os olhos para a América Latina como um dos fornecedores de petróleo”, explicou Coelho ao DCM. 

O professor participará da sessão da manhã do Seminário Pós-COP: O Brasil diante das transformações globais, que será realizado em 24 de novembro, três dias após o encerramento da conferência climática em Belém. Ao lado de Ricardo Abramovay (USP), Gabriel Aidar (BNDES) e Aldo Fornazieri (FESPSP), Coelho trará justamente essa perspectiva frequentemente negligenciada, observando como disputas de poder entre grandes potências moldam a transição energética global.

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Coelho ainda identifica três eixos fundamentais para avaliar o sucesso da conferência de Belém. O primeiro é o posicionamento do Brasil entre blocos geopolíticos. O país integra o BRICS, mas mantém relações estratégicas com o Ocidente. Essa posição intermediária pode ser vantajosa ou arriscada, dependendo de como o governo brasileiro a maneja. O segundo eixo é o papel da China e do BRICS no financiamento climático. Pequim é hoje o maior financiador de energia limpa em países em desenvolvimento, mas essa liderança vem acompanhada de dependências estratégicas.

“A China pode ser uma grande parceira na transição energética, principalmente no financiamento de energia limpa”, reconheceu o pesquisador. “Mas é preciso monitorar graus de vulnerabilidade. Será que o Brasil está ou não muito dependente do ponto de vista comercial e energético  da China? Quais são as empresas detentoras do controle acionário das geradoras, distribuidoras e empresas de transmissão de energia elétrica hoje no Brasil? Qual é o grau de vulnerabilidade do país em relação à questão energética?” 

O terceiro eixo é a disputa de poder que as decisões da conferência refletem — ou escondem. Para Coelho, a transição energética não é apenas uma questão técnica ou ambiental: trata-se de uma reconfiguração do poder global. Quem controlar as tecnologias limpas, a exploração e o refino dos minerais críticos e as cadeias de energia renovável, por exemplo, será a nova potência deste século.

Conflito na Ucrânia mexe com o preço do barril 

Coelho usa exemplos concretos para demonstrar como eventos políticos internacionais impactam o dia a dia de empresas e países. O conflito na Ucrânia causou um pico no preço do petróleo que depois se estabilizou. A Rússia passou a vender seu barril abaixo do preço de mercado para contornar sanções ocidentais. China e Índia se tornaram os maiores compradores desse petróleo barato. 

Agora, com as ameaças de sanções americanas, esse fluxo pode ser interrompido — criando uma janela de oportunidade para outros exportadores, inclusive latino-americanos, como o Brasil. “Isso é um risco político que pode ser tanto uma oportunidade quanto um prejuízo para a empresa”, explica o professor. 

Outro exemplo: as tarifas impostas por Donald Trump ao Brasil e outros países. “O quanto as tarifas impostas por Donald Trump ao Brasil e a outros países impactam na transição energética do Brasil? O gestor precisa ter acesso a esse tipo de conhecimento”, argumentou Coelho. 

Brasil na frente 

O pesquisador lembra que o Brasil possui vantagens comparativas significativas e que deve se valer delas para defender seus interesses. “O Brasil hoje já está na frente de diversos países no que se refere à matriz limpa de energia. O país é, na verdade, um modelo até”, afirmou.  A COP representa uma oportunidade única para o país se posicionar não apenas como guardião da Amazônia, mas como líder de fato na transição energética global. Contudo, aproveitar essa vantagem exige compreender as disputas em jogo — e é aí que a perspectiva geopolítica se torna indispensável. 

China: parceira estratégica ou nova dependência? 

Especialista em Ásia-Pacífico e co-chair do Comitê de Pesquisas e Estudos de Ásia e do Pacífico da International Political Science Association (IPSA), Coelho destaca o papel ambíguo da China na transição energética global. 

Pequim é simultaneamente o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo e o maior investidor em energias renováveis. Financia projetos de energia limpa em dezenas de países, mas também constrói usinas de carvão. É parceiro comercial estratégico do Brasil, mas também concorrente em setores-chave. Essa ambiguidade exige análise sofisticada. Não se trata de demonizar ou idealizar a China, mas de compreender os interesses em jogo e os graus de vulnerabilidade que parcerias estratégicas podem criar. 

Transição justa: petróleo ainda será necessário por muito tempo 

Sobre o debate da exploração de petróleo na Foz do Amazonas, Coelho defende uma análise que vá além da polarização ambiental. “O petróleo ainda vai ser utilizado por muito tempo. O Brasil também precisa se resguardar do ponto de vista da energia com base ainda no petróleo, mas ele também deve, obviamente, caminhar em paralelo à questão da transição energética.” 

O professor cita o conceito de “transição justa” que a Petrobras adota: não destruir capacidades já construídas enquanto se investe em energias renováveis. “É cuidar do petróleo paralelamente, sem destruir o que ela já criou também em relação à transição energética”, explicou Coelho. 

Formação única no Brasil 

Doutor em Relações Internacionais pela USP e mestre em Direito pela FGV, Coelho construiu carreira como consultor jurídico do Banco da China e da B3 antes de se dedicar à pesquisa acadêmica. Essa trajetória — que combina mercado financeiro, relações internacionais e academia — confere ao pesquisador uma perspectiva única sobre a interface entre geopolítica e geoeconomia.

O MBA em Geopolítica da Transição Energética, que coordena na FESPSP, oferece uma formação única no Brasil. O curso aborda desde a história das transições energéticas (carvão → petróleo → eletricidade → renováveis) até análise de risco político aplicada ao setor energético. 

“O foco é muito mais do que só o conhecimento geral que você vai ter em relação à transição energética”, explicou o coordenador do programa. “É também entender quais são os aspectos relacionados à geoestratégia da energia. Como é que um país se planeja, com o que ele deve se preocupar… Um gestor tem de se preocupar para que não falte energia” O MBA é voltado especialmente para profissionais que já atuam na área energética mas não têm formação em geopolítica ou geoeconomia, e para gestores que precisam compreender como eventos políticos internacionais afetam planejamento estratégico e gestão de crises. 

Seminário Pós-COP:  O Brasil diante das transformações globais 

24 de novembro de 2025  (segunda-feira); sessões às 10:00-12:30 e 19:00-21:30 

FESPSP – Rua General Jardim, Vila Buarque, São Paulo/SP 

Garanta sua vaga: https://poscop.org/ 

Sessão da Manhã (10:00-12:30) 

Aldo Fornazieri (Professor da FESPSP, Cientista Político) – abertura da sessão 

Ricardo Abramovay (Professor Sênior, Instituto de Energia e Ambiente, USP) 

Gabriel Ferraz Aidar (Superintendente de Planejamento e Pesquisa Econômica, BNDES) 

Alexandre Ramos Coelho (Coordenador do MBA em Geopolítica da Transição Energética, FESPSP) 

Sessão da Noite 19:00-21:30

Painelistas confirmados: 

Aldo Fornazieri (Professor da FESPSP, Cientista Político) – abertura da sessão

Paulo Teixeira (Ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar) – 

Luciana Aparecida da Costa (Diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática, BNDES)

Juliano Medeiros (Historiador e Professor Convidado da FESPSP) 

Uma parceria DCM + FESPSP para debater o futuro climático do Brasil com rigor acadêmico e compromisso social. https://poscop.org/