“Acho que são fãs de Moro e da Lava Jato”, diz professora da UFPR atacada por curso sobre o golpe. Por Zambarda

Atualizado em 14 de março de 2018 às 9:25
Monica Ribeiro, uma das professoras que ministra o curso sobre o golpe na UFPR. Foto: Divulgação

A professora Monica Ribeiro da Silva foi vítima de uma série de ataques pelo Facebook no dia 7 de março de 2018. 

Sendo uma dos 27 docentes da Universidade Federal do Paraná a elaborar o curso sobre o golpe de 2016, ela se tornou alvo do grupo UFPR Livre.

Nas mensagens e montagens, a gangue afirmou que Monica era filiada ao PT, mostrando um documento de filiação falso, e que ela supostamente faria proselitismo político como “doutrinadora”.

O DCM conversou com Monica.

DCM: O UFPR Livre já era atuante antes dos ataques à senhora? Eles já te atacaram antes?

Monica Ribeiro: Comigo antes desse incidente eles não fizeram nada não. Eu conheço muito pouco sobre eles. Eles têm uma expressão similar a do Movimento Brasil Livre (MBL). Fazem dentro da própria universidade cursos de outra natureza, discutindo as teses liberais e a privatização da instituição. Não os conhecia a fundo.

Minha surpresa na quarta-feira, 7 de março, foi quando recebi mensagens de apoio contra absurdos que eles já tinham cometido de amigos meus. Não tinha visto porque estava dando uma entrevista para a assessoria da universidade federal.

Na postagem de Facebook vi que eles já tinham cometido o crime de calúnia, tentando afirmar que eu sou filiada ao PT e que eu estaria usando o espaço da universidade para oferecer um curso de forma indevida. Em resumo, eles queriam que o Ministério Público intervisse de alguma forma. Falavam até que eu deveria perder o emprego por conta disso.

DCM: O juiz Sergio Moro também lecionou na UFPR, onde a senhora dá aula. Esse grupo que a atacou manifesta simpatia por ele? 

MR: Acredito que são admiradores, fãs, de Moro sim, porque há muitas pessoas no Paraná favoráveis ao juiz. Não digo nem que são apenas favoráveis a Sérgio Moro, mas sim da Lava Jato e da forma como o magistrado opera.

Assim como na sociedade brasileira está polarizada a discussão a partir do golpe de 16, aqui na Universidade Federal do Paraná essa polarização existe. 

O que é contraditório para um grupo como o UFPR Livre é que o próprio MBL fez um Congresso dentro da universidade e ninguém foi lá tentar impedi-los ou agredi-los.

Se você faz algo que critica esse grupo, a reação vem de uma forma muito violenta, na base da calúnia e da difamação. Não há espaço livre de debate.

DCM: O que você fez quando viu aquelas mensagens?

MR: Eu me assustei em primeiro lugar porque eu não sou filiada a nenhum partido político. Poderia estar filiada, mas não considero correto usar o cargo público para fazer esse tipo de ação. Por isso entendi a postagem como uma calúnia pelo fato de eu não ser o que eles diziam ali.

E tem mais: eles afirmaram que eu estava incitando violência por uma postagem que tinha compartilhado de uma outra pessoa. O post comentava o ato do MBL de ir atrás das universidades que estavam dando o curso sobre o golpe de 2016 e que os cursos não podem ser espaço para fascistas.

Comentava no post que a universidade não era lugar pra fascista justamente por ter o conhecimento. Eles omitiram isso ao me expor, dizendo que esse espaço deveria receber todos. Isso viralizou dessa forma e é ruim para uma profissional como eu sou, com 30 anos de carreira e doutorado na área.

DCM: Qual sua área de pesquisa?

MR: Eu trabalho com políticas educacionais com ênfase no Ensino Médio. Há mais de 30 anos. Tudo isso foi ignorado por eles, que me chamaram de “doutrinadora”, apesar de terem retirado tudo do ar.

Os prints estão com advogados para análise e muita gente entrou no meu perfil para falar que quem tinha que apanhar, quem deveria sofrer reprimenda, era eu. Típico de pessoas sem argumento.

DCM: E eles não querem conversar de forma alguma…

MR: Não mesmo. E é importante dar visibilidade ao que estamos fazendo porque já são 34 universidades que vão ministrar a disciplina sobre o golpe de 16. É também uma reação à tentativa do ministro [Mendonça Filho] censurar e punir o professor Luis Felipe Miguel da UnB, que leciona a matéria na pós-graduação em história da sua instituição.

A Unicamp prestou solidariedade ao professor e já está com 850 alunos inscritos. Isso desencadeou um fenômeno que mostra que todo dia temos uma faculdade dando esse curso.

Foi muito violento o que fizeram com o professor Luis Felipe, com comentários de toda sorte na internet. Outro docente da UFBA também foi intimado a depor por causa do curso.

DCM: A ideia do curso sobre o golpe de 16 é da senhora?

MR: A ideia do curso não é minha. A decisão foi tomada em um grupo de 27 professores em um ciclo de debates. Usaram uma postagem no Facebook que eu convidei os docentes para formar o curso como se fosse uma prova de que eu era criadora.

Foram 23 professores que já trabalham na UFPR, de diversos departamentos de ensino, e quatro convidados externos daqui do Paraná.

DCM: O avanço da Escola Sem Partido e o suicídio do retiro Luiz Carlos Cancellier da UFSC mostram que a educação está sofrendo com o golpe?

MR: Há um modus operandi da Justiça que não respeita o direito da defesa. O Escola Sem Partido foi decretado inconstitucional várias vezes e ainda assim ele tem sido praticado, sem aprovação da Câmara ou do Senado. 

Vemos o Escola Sem Partido na prática: cerceando liberdades e proibindo discussão sobre gênero.

Eu dou aula sobre políticas públicas para educação. Como vou falar disso num doutorado e na minha linha de pesquisa sem falar de política? Outra coisa é fazer proselitismo político, o que não é meu caso, porque sou pós-doutora na área e tenho 30 anos de trabalho nisso.

Tenho mais de 20 livros publicados e tudo o que fiz foi proselitismo político? Por isso é que acredito que o Escola Sem Partido quer cercear a análise que existe hoje nas universidades. São temas candentes do nosso tempo que não estão afinados com a manutenção das injustiças ou as desigualdades sociais.

Para eles, falar em direitos humanos não é correto e é “coisa da burguesia”. E falam isso em pleno século 21! É um povo totalmente sem noção, porque esses direitos são de todas as pessoas.

Esses ataques que recebi são afinados com esse discurso. A Escola Sem Partido diz que “isso é doutrinação”.

DCM: Se direitos humanos “são doutrinação”, então a senhora é “doutrinadora” para eles, certo?

MR: Sim. Ser contra racismo, ser contra homofobia e ser contra as violações dos direitos humanos para eles é doutrinação. Eles afirmam uma retórica que é permissiva com preconceitos. É a proteção de retrocessos. E eles não têm sequer vergonha de apoiar isso e defender o uso a violência.

O intuito desses grupos não é criticar os cursos sobre o golpe, mas tentar impedi-los de acontecerem.

DCM: Professores de universidades americanas estão também manifestando apoio ao curso sobre o golpe de 2016. A tendência do movimento é se internacionalizar?

MR: Acredito que sim e não só por causa das universidades. Países do mundo todo reconhecem que existem tentativas de censura e de cerceamento de liberdade de expressão no Brasil hoje. Trata-se de uma luta pela democracia e pela Constituição, que não prevê a necessidade de neutralidade na análise social de um processo político.

Quando falamos em golpe, as pessoas podem concordar ou não que isso houve no impeachment da Dilma, mas não há dúvida alguma que a população brasileira foi golpeada nos seus direitos. Essa é a tônica do curso em si.