
A atividade sobre o livro “Ciranda de Aruanda”, realizada na Emei Antônio Bento, no Caxingui, zona oeste de São Paulo, desencadeou um grave conflito envolvendo um pai de aluna, policiais militares e a direção da escola. A proposta fazia parte do trabalho pedagógico sobre cultura afro-brasileira e educação antirracista, em alusão ao Dia da Consciência Negra.
As crianças foram convidadas a desenhar orixás retratados na obra. O pai de uma aluna de 4 anos, evangélico e identificado por moradores como sargento da Polícia Militar, reagiu com violência ao saber da atividade.
Segundo o boletim de ocorrência, ele foi buscar a filha e, após deixá-la em segurança, retornou sozinho à unidade. Apontando o dedo para a professora, afirmou: “Tem coisas que eu não gosto, vocês estão incluindo umbanda na vida da minha filha, eu não aceito”.
Em seguida, rasgou parte da atividade com o desenho da criança, diante de outras turmas. A diretora, Aline Aparecida Floriano Nogueira, tentou explicar que o conteúdo fazia parte da proposta curricular obrigatória e não tinha relação com ensino religioso.
Relatos do conselho escolar indicam que o pai ainda ameaçou a diretora ao dizer: “Vou te ensinar como você vai ter de fazer seu trabalho”. Ela apresentou a ele o material de educação antirracista da rede municipal e pediu que oficializasse a reclamação por escrito, o que não aconteceu.
No dia seguinte, em vez da carta, quatro policiais militares armados chegaram à escola alegando ter recebido denúncia de imposição religiosa. Um deles portava metralhadora. A diretora informou aos agentes que já havia conversado com o pai e esclarecido a situação, mas disse ter continuado sendo pressionada pelos PMs.

A supervisora da Diretoria Regional de Educação foi acionada e orientou que a GCM também fosse chamada. Os policiais permaneceram na escola por mais de uma hora e, ao sair, conversaram com o pai, que aguardava do lado de fora. Segundo nota do Sinpeem, a diretora chegou a passar mal durante o episódio.
Dois dias depois, o homem retornou com a filha e entrou na sala de aula, ação proibida pelas normas internas. Um membro do conselho escolar foi atrás para acompanhar a professora, que ficou visivelmente abalada. A SSP informou que a Polícia Militar abriu apuração para avaliar a conduta dos policiais, com análise das imagens das câmeras corporais. A professora registrou boletim de ocorrência por ameaça.
A Secretaria Municipal de Educação afirmou que o pai recebeu esclarecimentos e destacou que atividades relacionadas à cultura afro-brasileira e indígena fazem parte do currículo obrigatório. O Sinpeem repudiou a presença armada de policiais em um espaço destinado à educação infantil e reforçou que o trabalho tem respaldo pedagógico e legal.
A editora Quatro Cantos, responsável pelo livro, também se manifestou. Em nota, afirmou: “Nunca ouvimos falar que algum pai tenha se oposto ao estudo da mitologia grega, ou ao estudo do cristianismo ou protestantismo. O preconceito é direcionado para religiões de origem africana, e isso tem nome: racismo religioso. Por sorte a lei 10.639/03 segue respaldando escolas e educadores para que essa luta continue. Axé!”.