Se fôssemos tão radicais, as cabeças dos 30 estupradores estariam penduradas em praça pública. Por Nathalí Macedo

A feminista Andrea Dworkin fez uma prece às mulheres do século XXI que, mais do que nunca, para mim faz muito sentido:

“Endureçam o coração e aprendam a matar.”

Ninguém tem o direito de me acusar de violenta por concordar com essa frase. Não quando uma mulher é estuprada a cada doze segundos no Brasil. Não quando mulheres são estupradas por seus próprios companheiros em nome do “dever conjugal” (sim, isso ainda existe).

E não, de maneira alguma, quando uma mulher foi estuprada ontem por trinta homens no Rio de Janeiro.

Talvez pela primeira vez em muito tempo, eu não preciso dizer muito: o fato fala por si.

O estupro, que por si é de uma crueldade tremenda, não foi suficiente para a monstruosidade das trinta criaturas que nenhum dicionário me permite adjetivar: eles fizeram questão de transformar essa monstruosidade num espetáculo. Filmaram tudo e publicaram.

Muitos homens fizeram comentários nojentos no link do vídeo:

“Arrombaram a mina. hahahaha”

“Essa daí está folgada agora.”

Tenho a impressão de que estupros coletivos não são tão chocantes para homens quanto são para nós, que estamos, todas, sujeitas a isso.

No universo limitado na minha timeline, dois ou três homens reclamaram da “generalização” feminina acerca desta barbárie porque “eles são doentes” ou porque “nem todo homem é estuprador”, e seria realmente muito construtivo se estes homens se indignassem tanto com as barbaridades protagonizadas por seus companheiros quanto se indignam com a tal “generalização violenta” das mulheres.

Mas eles estão mais preocupados em se defenderem de nossa justa acusação segundo a qual a cultura patriarcal é cruel e assassina, ou em assistirem ao vídeo com um prazer mórbido assustador.

E enquanto mulheres morrem, muitos homens parecem preocupados em acusar o feminismo de radical. O feminismo que jamais matou ninguém. O feminismo que nunca estuprou. O feminismo que é muito mais ameno do que deveria.

Se fôssemos realmente tão radicais, as cabeças desses trinta homens estariam penduradas em praça pública, seus falos estariam jogados aos cachorros, e talvez assim acreditassem que estuprar não é bonito. Mas nós continuamos aqui, como sempre estivemos e sem sucesso, tentando ser ouvidas.

Tentar desconstruir o patriarcado não tem surtido muito efeito. Os homens não apenas não nos escutam como fazem questão de atacar as nossas ideologias, porque isso é mais fácil do que reconhecer que compactuam com essa cultura assassina, e, por isso, mais do que nunca, fico tentada a crer que nós devemos, de fato, ser tão radicais quanto nos pintam.

Nathalí Macedo

Escritora, roteirista, militante feminista, mestranda em Cultura e Arte. Canta blues nas horas vagas.

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Nathalí Macedo

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