Se isso for religião verdadeira, pode me chamar de ateu

Atualizado em 28 de agosto de 2014 às 13:25
A screen grab that puportedly shows the Isis killer of US journalist James Foley: 'If this is real r
O homem que matou o jornalista James Foley

Publicado no Guardian.

POR GILES FRASER

 

O que há com a religião e a violência? Um homem se serve da cabeça de outro, em nome de Deus… Se esta é a religião verdadeira, podem me considerar um ateu. Mas esta é a religião verdadeira, ouço dizerem. A história da crença religiosa é uma história de violência horrenda: intolerância para com os outros, queimadas, linchamentos, guerras religiosas nas quais milhões morrem, torturas, perseguição. É fácil enxergar o apelo imaginado por John Lennon de um mundo sem religião.

Então, por que a religião muitas vezes não tem a força moral suficiente para resistir à sua própria capacidade para a violência? Em seu núcleo, a religião é aquela categoria de crença em que o mundo não gira em torno de mim, mas em torno de algo outro que não eu. É uma espécie de revolução copernicana onde os seres humanos não são o centro de todas as coisas. Isso não apenas é característico, mas essencial dela.

Há, porém, dois caminhos que este pensamento pode seguir. Ele pode seguir o caminho da humildade, um motivo para admitirmos que há tanta coisa sobre o mundo que não podemos conhecer, uma base para o sentimento de admiração daquilo que está além de mim, de que isso não pode ser recolhido para dentro de meus próprios planos e esquemas mentais.

Mas também, e em total contrariedade, a religião pode ter a crença de que somos destinados a (e que temos o acesso especial para) algo mais elevado e além de nós mesmos, que ela pode, em si, servir para nos fazer sentir mais poderosos, mais virtuosos, mais em contato com a verdade – exatamente o oposto da revolução copernicana do espírito.

Ser exclusivamente aliado da verdade é sempre uma forma útil de justificar a própria violência, por tudo o que está sendo feito em nome de algo mais, algo diferente de mim. Como se fosse feito por Deus.

Sempre defendi haver diferença entre a boa e a má religião. Porém, estou ciente – e preocupado – de que o problema com esta distinção é que a boa religião pode servir para dar à má religião um bom nome. Esta é uma queixa dos ateus contra os crentes liberais: estes fornecem uma camuflagem ideológica para os seus irmãos mais mortíferos, e, ao assim fazerem, mantêm a má religião existindo. Contra isso, continuo afirmando que a maneira mais eficaz de nos livrarmos da má religião – e com isso quero dizer, principalmente, a religião violenta – é desafiando-a em seus próprios termos, em vez de insistir na erradicação da religião por si.

De qualquer forma, não creio que a erradicação seja possível. A velha tese moderna de que o progresso científico iria nos fazer, cada vez menos, religiosos provou estar inteiramente infundada. A religião irrompeu no século XX.

Na realidade, em termos numéricos o cristianismo, por exemplo, cresceu mais no século XX do que em qualquer outro século. Além do mais, o que seria a erradicação da religião se não outra fonte para novas oportunidades de violência?

No começo desta semana, o grande mufti Sheikh Abdulaziz Al al-Sheikh, alta autoridade religiosa da Arábia Saudita, disse que o Estado Islâmico e a al-Qaeda são “os inimigos número um do Islã”. Pense por alguns instantes nestas palavras. Estas palavras não são pouca coisa.

O grande mufti na Arábia Saudita não é a mesma coisa que um religioso liberal de esquerda com que estamos acostumados: a Arábia Saudita é o lar espiritual do islamismo wahhabista, ramo do Islã que se inspira no religioso do século XVIII chamado Muhamed Ibn Abd al-Wahhab, normalmente associado como sendo o progenitor ideológico do fundamentalismo islâmico. Ainda assim, o Estado Islâmico e a al-Qaeda não tem nada que ver com o Islã, diz o grande mufti.

Estas coisas estão longe de serem suficientes. Mas já são um começo. Se a crença religiosa quiser recuperar o seu lugar na mesa da humanidade civilizada, terá um bocado a realizar a respeito de seus próprios pecados e fracassos.