Se não fosse quase analfabeto funcional, Moro teria passado sem essa: “ativista disfarçado de juiz”. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 24 de abril de 2019 às 11:32
AFP / MAURO PIMENTEL Sérgio Moro chega à casa do presidente eleito Jair Bolsonaro

Uma das regras básicas da diplomacia é que uma autoridade não critica um país em que é recebido como visitante. Sergio Moro decidiu violá-la segunda-feira, ao tecer comentários sobre o ex-primeiro ministro de Portugal José Sócrates.

Ao falar no VII Fórum Jurídico, promovido pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), entidade de Gilmar Mendes, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Moro disse que Portugal tem “alguma dificuldade institucional” no seu sistema de justiça, por não concluir ainda um processo em que é o ex-primeiro ministro é acusado de corrupção.

“É famoso o exemplo envolvendo o antigo primeiro-ministro José Sócrates (na Operação Marquês), que, vendo à distância, percebe-se alguma dificuldade institucional para que esse processo caminhe num tempo razoável, assim como nós temos essa dificuldade institucional no Brasil”, disse Moro.

Acostumado com sombra e água fresca no Brasil, levou o troco na hora. Sócrates disse que Moro foi um “ativista político disfarçado de juiz”.  Veja a nota do ex-primeiro-ministro na íntegra, divulgada pelo site Migalhas:

Brasil. O juiz valida ilegalmente uma escuta telefónica entre a Presidente da República e o anterior Presidente. O juiz decide, ilegalmente, entregar a gravação à rede de televisão Globo, que a divulga nesse mesmo dia. O juiz condena o antigo presidente por corrupção em “atos indeterminados”. O juiz prende o ex-presidente antes de a sentença transitar em julgado, violando frontalmente a Constituição brasileira. O juiz, em gozo de férias e sem jurisdição no caso, age ilegalmente para impedir que a decisão de um desembargador que decidiu pela libertação de Lula seja cumprida. O conselho de direitos humanos das Nações Unidas decide notificar as instituições brasileiras para que  permitam a candidatura de Lula da Silva e o acesso aos meios de campanha. As instituições brasileiras recusam, violando assim o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos que o Brasil livremente subscreveu. No final, o juiz obtém o seu prémio: é nomeado ministro da justiça pelo Presidente eleito e principal beneficiário das decisões de condenar, prender e impedir a candidatura de Lula da Silva. O espetáculo pode ter aspectos de vaudeville (circo) mas é, na realidade, bastante sinistro. O que o Brasil está a viver é uma desonesta instrumentalização do seu sistema judicial ao serviço de um  determinado e concreto interesse político. É o que acontece quando um ativista político atua disfarçado de juiz. Não é apenas um problema institucional, é uma tragédia institucional. Voltarei ao assunto.   

Procurado, o ministro da Justiça deu uma resposta em que, mais uma vez, cruzou o sinal vermelho. “Não debato com criminoso pela televisão”.

Se Sócrates ainda não foi condenado, como o ex-juiz pode considerá-lo criminoso? 

Em 2018, numa entrevista a uma bancada amiga do Roda Viva, Moro chamou Rodrigo Tacla Durán de “simplesmente um mentiroso” e teceu comentários sobre a denúncia do Ministério Público contra ele.

Foi o suficiente para que a Interpol considerasse Moro um juiz parcial e cancelasse o alerta vermelho sobre Tacla Durán.

Agora, em solo português, decide pré-julgar um ex-chefe de Estado.

Moro não é mais juiz e, portanto, inútil tecer comentários sobre a falta de vocação dele para a magistratura.

Se, como juiz, se comportava como acusador, agora como ministro de Estado age como comentarista. Não é seu papel criticar o sistema judicial português.

Não é burrice, com certeza, embora, ao ser exposto, tenha dado demonstração de que não está muito acima de um analfabeto funcional.

Diz que relaxa lendo biografia, mas não se lembra da última que leu. Ou não leu, ou vive bastante relaxado. A leitura de biografia seria apenas um projeto para o caso de um dia necessitar.

Ao deixar a zona de conforto de um juiz federal, função que lhe assegura a última palavra, Moro se mostrou como é.

Já se sabia que é bastante agressivo — embora faça o tipo passivo. Agora se sabe que é também bastante limitado. Para o bem do Brasil, é bom que se exponha cada vez mais.