Se vencer, Macron terá de ir mais para o campo da esquerda, acredita economista da UFRJ

Atualizado em 23 de abril de 2022 às 22:02
Foto de cartazes com imagens de Emmanuel Macron e Marine Le Pen.
No último dia de campanha antes do segundo turno da eleição presidencial francesa no domingo (24), o presidente Emmanuel Macron ampliou sua vantagem sobre a rival de extrema direita, Marine Le Pen. AFP – LOIC VENANCE

A sexta-feira (22) marcou o último dia da campanha oficial do segundo turno da eleição presidencial francesa. Os eleitores terão de escolher no próximo domingo (24) entre dois projetos e candidatos opostos: o presidente centrista Emmanuel Macron e Marine Le Pen, da extrema direita. Ao avaliar a eventual influência dessa eleição na França no Brasil, a economista Lena Lavinas diz que se Macron vencer, “ele terá de ir mais para o campo da esquerda”.

Os dois candidatos fazem campanha nas ruas até o último minuto para tentar convencer os indecisos. Segundo as últimas pesquisas, Macron venceria com uma margem de entre 54 a 57,5%. Mas a taxa de abstenção, que se anuncia alta, pode criar surpresas.

Os eleitores terão de escolher no próximo domingo entre dois projetos opostos sobre a Europa, a economia, o poder aquisitivo, a relação com a Rússia, o futuro das aposentadoria e a imigração.

Para Lena Lavinas, especialista em políticas sociais, professora titular da UFRJ e atualmente professora visitante da Universidade de Londres, essa polarização, que se acentuou durante o governo Macron, reflete uma grande insatisfação da população. “Está muito claro que existe um bloco de extrema direita que se constituiu progressivamente nos últimos anos na França, como em outros países da Europa. E, sem dúvida nenhuma, como em outros países da Europa, isso é reflexo da debilidade e do fracasso das políticas que governos social-democratas e socialistas não implementaram”, afirma.

A pesquisadora tem pele branca, usa blusa preta, tem braços cruzados, tem um leve sorriso e cabelos loiros.
Lena Lavinas, economista, professora da UFRJ e professora visitante da Universidade de Londres © Arquivo Pessoal

Os dois candidatos que chegaram ao segundo turno revelam “as clivagens profundas que existem entre ambos”. Mas segundo a professora da UFRJ, o fim dessa campanha na França não foi previsível.

“A grande novidade diante desse chamado déficit democrático, que vivem hoje todas as sociedades ocidentais, é que a gente teve também na França, como ocorreu na Espanha e em Portugal, um renascimento do campo progressista da esquerda. Hoje, uma unidade (dessas forças) se coloca para as eleições legislativas, que terão lugar daqui a um mês”, indica.

Programas de Le Pen e Macron

Lena Lavinas não concorda com a opinião de dois prêmios Nobel de economia, Jean Tirole e Esther Duflo, que alertaram no jornal Libération para a ameaça econômica e social que o programa de Marine Le Pen representa para a França. “Não acho que a Marine Le Pen ameace o país com um programa econômico. Ela não tem programa econômico. O que ela representa é um retrocesso, antes de mais nada, em termos daquilo que marca a identidade francesa desde 1789: os direitos humanos, a Revolução Francesa, a noção de república, o estado laico.”

Macron – que, ao contrário de Le Pen, defende a Europa –, tem uma certa continuidade nas suas propostas. No entanto, a professora visitante da Universidade de Londres acha que ele terá de compatibilizar algumas demandas se ganhar as eleições. “Ele não reconhece o erro de ter suprimido o imposto sobre as grandes fortunas. (…) A ideia de uma transição ecológica, prometida, não foi uma prioridade e agora ele tenta recuperar isso dizendo inclusive que vai colocar um primeiro-ministro encarregado do planejamento ecológico.”

Apoio de três líderes europeus e do ex-presidente Lula a Macron

Um fato raro, três líderes europeus, os primeiros ministros da Alemanha, Espanha e Portugal, preocupados com uma eventual vitória de Le Pen, deram apoio a Macron e pediram que os franceses escolham o “candidato da democracia”. O ex-presidente brasileiro Lula também fez o mesmo em um tuíte, dizendo que o “futuro da democracia está em jogo na Europa e no mundo”.

Lena Lavinas ressalta que esse avanço da extrema direita deve ser compreendido “na gravidade” que coloca para a França e para o mundo. “Esses déficits democráticos, essa imposição do modelo neoliberal, de anos de austeridade, foram algo duríssimo. Esse é um momento de reorganização das forças progressistas e eu acho que o Macron vai ter de caminhar um pouco mais para o campo da esquerda, se for eleito. Mas o mais importante, nesse momento, é barrar a extrema direita”, insiste.

A professora da UFRJ acredita que essa eleição francesa tem uma lição a ensinar ao Brasil e ao ex-presidente Lula. “O que se passa na França e em outros países é entender que a questão ambiental não pode ser mais uma questão marginal. A gente tem de associar políticas sociais e políticas ambientais.”

Outro ensinamento importante é a questão da democracia. “Existe uma reivindicação, e o Macron reconheceu isso no debate de quarta-feira (20), que é a questão dos referendos, que Marine Le Pen promete fazer para tudo. As pessoas não querem só participar politicamente a cada cinco anos. Esse déficit democrático é a necessidade de haver mais consultas, de haver mais escuta, mais participação. Espero que o presidente Lula, que eu também espero que venha a ser eleito esse ano dentro de uma grande frente democrática, leve em consideração os ensinamentos que a gente tira hoje aqui na França”, conclui.

Publicado originalmente no site RFI.

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