Secretário de Tarcísio tem sociedade com empresa afetada por atos de sua pasta

Atualizado em 7 de novembro de 2025 às 8:37
O produtor rural e secretário de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, Guilherme Piai (Republicanos), e o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), em Presidente Prudente, em 2024. Foto: Célio Messias

O secretário de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, Guilherme Piai (Republicanos), mantém sociedade com a Ambientale Ativos Florestais, empresa do grupo Maggi que presta serviços justamente em áreas que dependem da aprovação da pasta que ele comanda. O caso levanta suspeitas de conflito de interesses no governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), conforme informações do UOL.

A relação começou em junho de 2024, quando Piai e o pai, Sergio Luiz Leal Filizzola, abriram a empresa Fazenda Água Cristalina Ativos Ambientais SPE Ltda., tendo a Ambientale como sócia, com 40% das ações.

As duas empresas compartilham o mesmo endereço em São Paulo e até o mesmo domínio de e-mail. A Ambientale é uma consultoria que atua como despachante na obtenção do Cadastro Ambiental Rural (CAR) — registro público obrigatório para imóveis rurais — e na regularização junto a órgãos estaduais, incluindo a Secretaria de Agricultura.

Piai alega que o projeto é restrito à monetização de uma fazenda de mil alqueires da família em Paranaíta (MT), avaliada em R$ 24 milhões. “Não há qualquer conflito de interesses nisso”, afirmou.

Segundo ele, “meu pai me pediu para fazer parte da sociedade. Me tornei sócio da Ambientale porque meu pai gostou da empresa depois que ela fez um trabalho técnico na fazenda”.

Empresa opera em área sob sua gestão

O site da Ambientale destaca a emissão do CAR e a regularização ambiental de propriedades entre seus principais serviços — atividades que, em São Paulo, passam justamente pela secretaria chefiada por Piai. O secretário diz, no entanto, que “não tem ingerência nenhuma ou autonomia sobre a aprovação de CARs”.

Embora o cadastro seja gratuito, o processo técnico pode custar até R$ 20 mil, dependendo da situação do imóvel. Desde que Piai assumiu o cargo, em setembro de 2023, o número de CARs analisados saltou de 25 mil para 185 mil, um aumento de 640%, segundo a Climate Policy Initiative. Ele promete validar 100% dos cadastros possíveis até 2026.

Proximidade com a Ambientale e com o grupo Maggi

A Ambientale já se reuniu diversas vezes com o governo paulista. Em outubro de 2023, um mês após Piai assumir o cargo, ele recebeu os diretores Roberto Maggi e Denis Storani em seu gabinete para discutir formas de facilitar o CAR.

Piai em reunião sobre CAR com Denis Storani e Roberto Maggi, da Ambientale, em 2023
Piai em reunião sobre CAR com Denis Storani e Roberto Maggi, da Ambientale, em 2023. Foto: Divulgação

No Instagram, a empresa elogiou a atuação da secretaria como um “sucesso nas validações de CARs em São Paulo”. Em novembro de 2024, a Ambientale publicou uma foto com Piai, afirmando que a gestão estadual demonstra “eficácia e compromisso ambiental”.

Quatro meses antes, os diretores da empresa haviam sido recebidos no Palácio dos Bandeirantes pelo secretário da Casa Civil, Arthur Lima.

18.nov.2024 | Post da Ambientale com foto de Guilherme Piai
Publicação da Ambientale no Instagram com foto de Guilherme Piai. Foto: Reprodução

Especialistas veem possível conflito de interesse

A professora Adriana Cecílio, da Uninove, explica que há conflito de interesse quando um agente público atua em processo que envolva ele próprio, parentes ou empresas das quais seja sócio.

“Cabe à Controladoria-Geral do Estado analisar a conduta do secretário e instaurar um PAD, caso considere a atuação dele como viciada”, disse.

Desde 2019, por decreto do então governador João Doria, a responsabilidade pelo CAR em São Paulo passou da área ambiental para a Secretaria de Agricultura — algo que só ocorre também no Espírito Santo e em Tocantins. Para o advogado ambientalista Luis Balieiro, essa mudança compromete o controle.

“Passar o CAR para a agricultura é entregar o galinheiro para a raposa”, afirmou.

Falta de transparência e dados restritos

Diferentemente de outros estados, São Paulo não divulga publicamente quem solicita os CARs. Em resposta a um pedido do UOL via Lei de Acesso à Informação, a secretaria informou que “nem todos os dados solicitados podem ser fornecidos”.

O site indicado pelo órgão apenas permite verificar o número de registro, sem dados sobre o requerente ou a empresa responsável. Assim, não é possível saber quantos cadastros validados pela secretaria foram feitos pela Ambientale, empresa da qual o secretário Piai é sócio.