Sem confiança no país, a ordem é estocar. Por Luis Nassif

Atualizado em 31 de dezembro de 2020 às 10:21
Sam Panthaky/AFP/VEJA

Originalmente publicado em Jornal GNN

Por Luis Nassif

Há uma falta de informação generalizada sobre a situação do abastecimento de insumos na indústria. Disseminam-se situações de falta de matéria prima, aumento descontrolado dos preços, especialmente dos comercializáveis, a formação de bolhas de estoques.

Vamos a um retrato de uma pequena cidade do sul de Minas, onde me encontro.

Nos salões de beleza, o conselho é para estocar material de beleza, porque irá faltar nos próximos meses. Na limpeza da piscina, o especialista recomenda estocar cloro, porque pode faltar.

Na fábrica de toalhas, as vendas ainda estão aquecidas. Mas houve explosão nos preços do algodão, do material plástico (inclusive reciclados) e de papelão. Para conseguir algodão, há uma caça a produtores sem condições de exportar, por razões burocráticas. Quem pode, exporta.

Até agora, tem-se um mercado aquecido para produtos de menor valor, em geral garantidos pela renda básica aprovada pelo Congresso. Para 2021, tem-se o seguinte quadro:

1. Fim da renda básica.

2. Pressão sobre preços ao produtor, especialmente de produtos influenciados pelo dólar. Este ano o IGP-M, que reflete as variações cambiais, aumentou mais de 20%.

3. Explosão do desemprego, com o fim da renda básica despejando no mercado de trabalho milhões de pessoas sem acesso a emprego.

4. Atraso na vacinação, postergando a normalização da economia.

5. Queda drástica na arrecadação fiscal da União, estados e municípios, com a queda do nível de atividade e a sujeição irracional da Economia à Lei do Teto. Este ano, uma das razões do aumento do déficit público foi, justamente, a queda da receita, decorrente da recessão.

6. Um presidente da República cada vez mais perdido e propenso a aventuras irracionais.

7. Uma oposição que não se entende, na qual todas as partes defendem o pacto, mas nenhuma abre mão de ser o protagonista mais relevante.

8. Um Supremo Tribunal Federal que só se ada foi pmove quando é diretamente ameaçado por Bolsonaro. Basta Bolsonaro refrear a fala para ganhar enorme espaço na destruição de todas as políticas públicas, sem reação do  STF.

E Bolsonaro continua recorrendo à escatologia para desviar as discussões dos temas essenciais. Desviou o tema do fracasso enorme da sua política de vacinação com declarações ironizando a tortura de Dilma Rousseff. Conseguiu, ao mesmo tempo, diluir o tema da vacina e contentar sua base de seguidores.

A política de vacinação tem sido um amplo fracasso. 

O Ministério da Saúde já deveria ter seu plano de vacinação acertado com estados e municípios. Já deveria ter adquirido seringas e outros equipamentos necessários. Finalmente, já deveria ter acertado a compra de vacinas, mesmo condicionando o fechamento do negócio à aprovação da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Até agora, nada foi providenciado. A temeridade de colocar um general jejuno em saúde à frente da pasta certamente custou milhares de vidas a mais, exterminadas ou prejudicadas pela doença.

Mas o país padece de uma insensibilidade crônica em relação aos seus. Continua permitindo todas as estripulias a Bolsonaro, desde que garanta a continuidade do grande negócio do desmonte do Estado.