A jornalista Silvana Andrade travou uma luta dentro do embate maior que é a guerra contra o coronavírus: buscar o direito de poder se despedir da mãe, internada em fase terminal na UTI do Hospital Português de Pernambuco.
Parece pouco diante da gravidade da pandemia, mas não é. “Nas estatísticas, minha mãe será mais um número, mas, para mim, ela é minha mãe, e queria apenas poder dizer a ela o quanto a amo”, disse.
Muitas pessoas se encontram hoje na mesma situação de Silvana e, em geral, quem decide se o parente poderá se despedir de uma vítima do coronavírus é a direção do hospital.
“Eu sei que todos os profissionais de saúde estão sobrecarregados nesta época, mas é preciso pensar num protocolo de despedida”, disse ela. “Com câmeras para que a gente possa ver a pessoa querida e falar com ela, ainda que esteja em coma. Não dizem que, mesmo em coma, o paciente pode ouvir, e isso ajudar na cura?”, questiona.
A mãe de Silvana se chama Maria, ela tem 93 anos, e foi internada com sintomas da Covid-19 no dia 3 de abril. Na verdade, estava voltando para o hospital, onde alguns dias antes tinha passado por cirurgia para correção de uma prótese no fêmur.
Uma hipótese provável é que tenha sido infectada no próprio hospital.
Já em estado grave, ela foi internada, e Silvana não mais a viu. Quando soube que a situação dela era terminal, pediu para que algum profissional mostrasse sua mãe através de um celular, e que, pelo viva voz, ela pudesse dizer algumas palavras.
“Você é a primeira pessoa que me pede isso”, reagiu um médico.
Depois de alguma insistência, foi-lhe oferecida a possibilidade de uma chamada de voz. “Mas eu queria ver minha mãe. Talvez fosse a última vez. Por que não posso vê-la?”
Silvana publicou um apelo em sua rede social:
Em nome do mais Sagrado, leiam meu apelo.
Minha mãe está internada na UTI do Hospital Português de Pernambuco, no Recife, há 14 dias, após contrair Covid -19 no próprio hospital. Ela está sedada e intubada. Os médicos não acreditam que ela possa sobreviver. Diante do quadro crítico dela, eu solicitei que fosse feita uma chamada de vídeo para que pudesse ver minha mãe e me despedir dela virtualmente.
Em todo o mundo estão dando esse direito humanitário aos familiares de pacientes com coronavírus.
Mas a princípio me negaram e depois de insistir disseram que poderia fazer uma chamada comum. Como assim? Como terei certeza de que ela estará ouvindo e por que não posso ver minha mãe? O celular é o mesmo para ligação com vídeo ou sem vídeo.
A chamada pode ser feita pelos assistentes sociais dos hospitais, não estou pedindo isso aos médicos ou enfermeiros.
Há um mês meu pai faleceu no mesmo Hospital Português. Um dia antes, os médicos ligaram para nos avisar. Toda a família teve tempo de se despedir dele.
A situação agora é a mesma e não entendo porque a dificuldade de fazer uma chamada de vídeo. De dizer o quanto amo minha mãe olhando para ela.
Deveria ser um protocolo simples e humanitário de todos os hospitais. Temos o direito à despedida. Quem sabe o paciente ao ouvir a voz dos seus familiares possa inclusive melhorar? Pais, filhos, maridos e esposas, avós têm o direito natural de se despedirem de seus entes amados. Negar isso é crueldade. Um dia no futuro isto será considerado uma vergonha, um ato violento, sem consciência.
Não precisamos tornar esta pandemia ainda mais cruel do que já é. Aliás, precisamos com ela nos tornar mais humanos. Esta é a grande lição que temos que aprender.
Eu e todos os familiares de paciente com Covid-19 precisam e querem se despedir. E isto não custa nada aos hospitais, apenas humanidade.
O post teve quase 4 mil reações e mil comentários. Ontem, por liberalidade de um médico, ela conseguiu se despedir da mãe, com uma chamada por vídeo. Foram cerca de dois minutos de fala.
Silvana teve esse conforto em dias muito difíceis, que continuarão difíceis. Mas quantas outras pessoas não conseguem exercer o direito de despedida?
Está na hora de pensar de fato em um protocolo para situações desse tipo, alguém que possa conectar a família ao doente, em seus últimos momentos de vida.
.x.x.x.
PS: A gramática aceita as duas formas de escrita: entubada e intumbada. Os médicos costumam usar intubada, como escreveu Silvana.