Sem medo, organizados e trabalhadores: quem são os ocupantes do terreno em São Bernardo. Por Mauro Donato

Atualizado em 11 de novembro de 2017 às 8:03
Crianças na ocupação: sonhos e fantasias, enquanto os pais lutam por um direito

O que eles mais ouvem rotineiramente é o rótulo de ‘vagabundos’, quando na realidade o nome do movimento é ‘trabalhadores sem teto’. São pessoas que, a despeito de seu trabalho, não têm condições de arcar com um aluguel. Fazem parte daquela massa que dá muito mais do que recebe (como repete o hino de Zé Ramalho tocado constantemente tanto na ocupação como nas marchas do MTST) e que não se enquadra como ‘desempregados’.

Muitos ali possuem emprego (nem sempre registrado). Seus salários, porém, nunca ultrapassam os R$ 800 ou R$ 1.000, com uma família para sustentar e enfrentando aluguéis na faixa dos R$ 500 ou mesmo R$ 800, em locais de periferia. Mais de 50% da renda da família é comprometida exclusivamente com moradia (ruim, diga-se). Restam outros R$ 300 ou R$ 400 para comer, vestir, pagar o transporte, respirar. Não uma pessoa solteira, mas quatro, cinco, ou mais pessoas.

No concluir das prioridades, a comida dos filhos fala mais alto e muitos acabam atrasando o aluguel. O resultado é o despejo. Por isso ocuparam aquela área que há 40 anos não cumpria função social alguma.

A ocupação é criticada, classificada de ‘ocupação-fantasma’ por constituir-se de barracas não habitadas em sua totalidade, mas a realidade é que o movimento não vê como prudente incentivar que as pessoas levem todos seus móveis e pertences, pois, na hipótese de uma reintegração de posse violenta por parte da polícia, é normal que se perca tudo. Os tratores não têm sentimentos.

Os vizinhos dos prédios bacanas não estão nem aí para a penúria alheia. Chamam-os de ‘ratos’ e, segundo relatos dos próprios acampados, afirmam ter receio de que seus apartamentos sejam invadidos. No calor dos primeiros dias, um morador chegou a atirar contra a ocupação e feriu um integrante do movimento. Até hoje, o autor não foi identificado.

O DCM foi conversar com os ocupantes do Povo Sem Medo para registrar a realidade dura e triste de quem suporta condições de extrema precariedade. Alguns ainda tinham bolhas nos pés, frutos da marcha de 23 km até o Palácio do Governo, que para muitos deles se tornou em 46 km, pois voltaram a pé também. Não havia transporte para todo mundo no final da manifestação e nem todos tinham dinheiro para condução normal.

Andreia

Andréia Barbosa tinha 26 anos quando ficou viúva. Carregava quatro filhos e estava grávida do quinto. Passou a sofrer despejo atrás de despejo pela incapacidade de arcar com o aluguel. Em 2014 foi parar na ocupação Copa do Povo. Começou como acampada, depois foi para a cozinha, hoje é coordenadora. “O MTST faz o que o governo deveria fazer que é assistir as famílias mais de perto. Aqui também há um processo de transformação das pessoas, muitos eram alcoólatras, dependentes químicos, que encontraram na luta um propósito para suas vidas.” Ela própria afirma ter saído da depressão ao aderir ao movimento. “Há muito preconceito contra nós, ninguém faz ideia real do que é a luta e como ela é dura. Ninguém aqui está brincando de casinha.”

Georges

Georges Klughist trabalhava como entregador, motoboy. Sofreu um acidente e passou 3 meses internado. Como praxe no idôneo empresariado nacional, o registro na carteira inexistia. Georges não teve nenhum ressarcimento, nem amparo. Precisou vender a moto para pagar as contas e não podia mais esperar pela cirurgia, precisava trabalhar. Desde então não conseguiu recolocação.

Ele é o repsonsável por levar a água até seu G (os Gs são setores, como quadras dentro da ocupação. Cada um com sua cozinha, sua coordenação, suas lideranças, para uma melhor distribuição logística de alimentos, doações e até de comunicação. Não é possível reunir todo mundo de uma ocupação todos os dias para instruções e comunicados). Mesmo ainda com alguma limitação no braço direito, carrega os galões de água até o G em que vive, que é um dos mais afastados. O único bico de água fica na entrada do terreno de 70 mil metros.

Solange

Solange Lopes vivia com a mãe até o final do ano passado, quando a genitora faleceu. Ela alugou um imóvel mas não suportou o valor por 3 meses e foi despejada. Mais de uma vez. Na casa de familares também não obteve abrigo, pois ela tem 6 filhos. Soube da ocupação e criou coragem. “Quando cheguei achei muito precário. Pensei que a polícia iria entrar a qualquer momento. Fiquei a primeira semana sozinha, sem meus filhos, pois não imaginava que eu fosse ter toda essa assistência. O MTST resgatou minha família.” Ela mostra orgulhosa seu amplo barraco e as doações de roupas para as crianças que agora moram com ela.

Maria

Maria de Almeida Vieira, aos 63 anos, morava com o filho e mais seis pessoas num imóvel de dois cômodos. O aluguel pelo cubículo era de R$ 800, mas ela não estava conseguindo contribuir com sua parte.

Viúva, nunca conseguiu obter a pensão pela morte do marido. Ela mesma só tem 10 anos de trabalho registrado em carteira. “Eu não tenho nada. Só Deus sabe.”

Desde o primeiro dia da ocupação ela cuida de uma das cozinhas.

Josefa, a primeira sentada à esquerda

Desde que veio para São Paulo saída de Aracaju, Josefa F. Costa sempre teve seu pedido de cadastramento no Bolsa Família rejeitado pelo programa. A justificativa era que a soma da renda dela com a do marido superava o limite. Foram seis anos de tentativas. “Consegui este mês o primeiro Bolsa Família aqui em SP. R$ 39. Me diga, dá? Por isso não temos como pagar para morar.”

Ângela

Ângela da Silva Freitas veio da Paraíba há 8 anos. Perdeu o emprego de cuidadora de idosos e foi colocada para fora pelo proprietário do imóvel em que viva com duas filhas (4 e 12 anos). Com os olhos marejados, ela afirma que continua procurando emprego e encaminhando currículos diariamente e que ainda informa o antigo endereço na hora de procurar emprego. “As pessoas não dão oportunidade para quem fala que mora em uma ocupação. As pessoas não vivem o que a gente vive. É preciso saber a história da pessoa, porque ela foi parar lá. Sou honesta, preciso provar? Só uma mãe sabe o que passa quando vê um armário sem comida.”

Mário

Carpinteiro que desenvolveu artrose e há 8 meses sobrevive apenas de alguns bicos, Mário Souza ouviu pelo rádio, às 4 da manhã, que o MTST realizara a ocupação. Ele estava em Itapecerica da Serra e decidiu que chegara a hora. Onde vive, paga R$ 500 por um quarto.

“Trabalhei a vida toda. Fui de São Paulo a Curitiba a pé, fazendo asfalto. Disseram-me que na Queiroz Galvão tinha vaga para carpinteiro, mas me colocaram para asfaltar. E me registraram em Curitiba. Agora não consigo minha aposentadoria depois de tantos anos trabalhando.”

Elaine

Elaine Santos tem 3 filhos e está desempregada. É residente da ocupação, ou seja, dorme lá, não tem nenhum outro local para ficar. Ela e o marido se revesam em bicos (ela como manicure, ele ajudante de pedreiro). Quando um consegue trabalho o outro não pode sair pois é preciso cuidar das crianças.

“Estou aqui porque preciso, porque não tenho onde morar, nem condição de pagar aluguel nenhum.”