Semipresidencialismo? Por Renato Janine Ribeiro

Atualizado em 21 de julho de 2021 às 21:33
Publicado originalmente no Facebook de Renato Janine Ribeiro
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Semipresidencialismo?
Esta tem sido a proposta de alguns políticos, entre eles Michel Temer e Artur Lira, para sairmos da atual crise. Verdade que Lira sugere somente para 2026, mas entende que o impeachment de metade dos presidentes que já terminaram o mandato, na Nova República, teria sido substituído pela troca de primeiro-minsitro, que é algo normal em regime parlamentarista. Manter-se-ia um presidente um tanto forte, mas menos do que hoje, porque o governo estaria em mãos do gabinete. Dão-se os exemplos da França e Portugal como casos bem sucedidos de tal mix político.
Algumas reflexões:
1) O presidencialismo é melhor para colocar, mas ruim para tirar. O presidente é eleito, sobretudo quando há dois turnos de votação, para expressar a vontade majoritária do povo. Mas, se ele não funcionar, o processo de impeachment é traumático.
2) O parlamentarismo é ruim para colocar, mas bom para tirar. Se houver crise ou simples perda de popularidade, substituir o chefe de governo é viável sem traumas. No caso de 2016, simplesmente sairia Dilma e entraria um primeiro-ministro da mesma coligação – provavelmente Lula – sem golpe. Já em 1992, o impeachment de Collor teria sido diferente, porque ele tinha perdido base política. Possivelmente, Collor, se fosse PM, teria sido substituído por alguém que formasse uma base própria.
3) O ponto principal: O povo brasileiro vota basicamente no Executivo. O voto em parlamentares é decidido com menos convicção. Um governo parlamentarista dificilmente seria reconhecido pelo povo. A menos que se procedesse a uma educação política longa e bem feita.
4) Educação política não é doutrinação. Significa, essencialmente, entender quais são os papéis das instâncias e órgãos de governo, o que são políticas públicas, quais projetos para elas têm os principais atores políticos (basicamente, a diferença entre direita e esquerda).
5) Na França, o regime atual foi instituído pelo general de Gaulle, como reação ao parlamentarismo puro da IV República, em que os governos podiam ser derrubados por um dá cá essa palha. Ele reforçou (não diminuiu!) o poder presidencial. Aliás, desde 1965 de Gaulle fez que o presidente fosse eleito diretamente pelo povo, o que lhe confere maior legitimidade. Com o passar do tempo, ficou claro que quem demite o primeiro-ministro na França não é o Parlamento, mas o presidente. O último limite ao poder presidencial desapareceu quando seu mandato foi reduzido de sete a cinco anos. Soa paradoxal, mas a verdade é que antes disso a renovação do Parlamento a cada cinco anos conduziu a três ocasiões em que um presidente em fim de mandato convivia com um primeiro-ministro de oposição a ele (duas vezes com Mitterrand, uma com Chirac). Desde que o mandato presidencial passou a cinco anos, o que acontece? O presidente é eleito e, um mês depois, a Assembleia Nacional – na qual, obviamente, ele terá ampla maioria. Temos então um semipresidencialismo com presidente forte.
6) Em Portugal, o presidente também é eleito pelo povo, mas a força está mais com o governo (i.e., primeiro-ministro). Isso talvez se deva um pouco à personalidade do presidente Marcelo, mas no fundo é decorrência do apoio político que o governo socialista teve e mantém. É um semipresidencialismo com presidente discreto.
7) Vê-se, da simples comparação dos dois regimes, francês e português, que são bem diferentes. Em Portugal, aliás, houve presidentes fortes, como o general Ramalho Eanes. Mas cada versão do semipresidencialismo está ligada à política do país em questão. Não é algo que vc importa, instala e beleza!! Tudo melhora. Não mesmo.