“Sensação na Argentina hoje é de que Milei presidente é inevitável”, diz cientista político argentino ao DCM

Atualizado em 22 de outubro de 2023 às 13:05
Javier Milei

“A sensação na Argentina hoje é de que Milei presidente é algo inevitável”, avalia Gerardo Aboy Carlés, cientista político e professor da Universidade Nacional de San Martin, na região de Buenos Aires.

O país decide hoje se elege o candidato de extrema direita ou outros candidatos de partidos tradicionais: Patricia Bullrich, da agremiação Juntos por el Cambio (direita), ou Sergio Massa, atual ministro da Economia.

Mas para o especialista em populismo na Argentina, é preciso desconfiar do catastrofismo. “Domingo, uma parte considerável do país espera chuva. Mas à tarde, se houver um aumento da presença nas urnas e quem são os ausentes nas urnas… Presume-se que são também a população de maior idade.”

“Nesse setor de idosos, Bullrich é uma opção muito boa, Massa não lhes parece ruim, mas têm uma visão muito ruim de Milei.”

Ainda assim, a ascensão do jornalista e deputado traduz uma confluência de fatores históricos e de uma conjuntura explosiva.

“A pobreza é extrema, atingindo quase 50% da população. A inflação é galopante, a insegurança através do narcotráfico, roubos e outros crimes que se expandiram nos principais centros urbanos”, enumera Hugo Quiroga, membro da Academia de Ciências Morais e Políticas da Argentina.

“Um ponto importante é o divórcio entre política e sociedade. Acrescentou-se uma desconfiança de boa parte da sociedade”.

Ao Diário do Centro do Mundo, ambos destacados intelectuais do país mostram como o “outsider” antipolítico é, na verdade, uma espécie de sequência lógica dos limites das políticas sociais do país do século XX aos dias atuais.

Eles indicam uma diversidade de sentimentos na sociedade argentina, que vão da apatia à preocupação, num cenário muito mais aberto do que se pensa.

DCM: O que explica a ascensão do projeto presidencial de Javier Milei?

Hugo Quiroga: Há um conjunto de fatores que a explica. A democracia argentina não passa por um bom momento.

Em primeiro lugar, há uma decomposição social, a fragmentação dos partidos que não existem como tais, nem tampouco as formas de coalizões se adaptaram. Na realidade, são facções políticas.

A pobreza é extrema, atingindo quase 50% da população. A inflação é galopante, a insegurança através do narcotráfico, roubos e outros crimes que se expandiram nos principais centros urbanos.

Um ponto importante é o divórcio entre política e sociedade. Acrescentou-se uma desconfiança de boa parte da sociedade. Nas últimas eleições deste ano, aumentou o voto em branco e a abstenção.

O peronismo, na sua versão hegemônica, não organiza mais o cenário político nacional, está muito dividido, com graves tensões internas. Na oposição, as tensões também prejudicaram sua coesão, me refiro à luta de poder entre Patricia Bullrich e Horacio Fernández Larreta, durante a campanha das PASO (eleições primárias obrigatórias).

Nesse contexto de fratura social, desconfiança, luta de poder, com grandes ambições pessoais, aparece um outsider, um anarco-capitalista que promete acabar com a “casta”  que governou o país durante décadas, levando-o à decadência. Mostra-se como um ator antissistema, mas faz política.

Ele introduziu um discurso disruptivo e que mudou o eixo da discussão pública, com propostas díspares, mas que se converteu em um centro da discussão política. Sem uma máquina partidária, obteve 30% dos votos nas eleições PASO como candidato.

Grande parte de seus eleitores são os setores vulneráveis, a classe média e os jovens, que não concordam com a política tradicional.

Este fenômeno político se inscreve numa mudança de época no ocidente, com a apariçao de lideranças esotéricas como Trump e Bolsonaro, os novos rostos da direita nacionalista extrema, embora Milei nao seja nacionalista.

Ele é também a expressão de uma crise da democracia eleitoral, da democracia representativa liberal, no ocidente, com matizes e diferenças.

Gerardo Aboy Carlés: Sem sombra de dúvida, a situação socioeconômica do país nos últimos doze anos revela tanto a impossibilidade prática de obter um crescimento sustentável como uma deterioração contínua da situação social. Por trás disso, temos uma incapacidade a longo prazo.

A Argentina, tendo sido um país com as limitações que impõe sua economia, teve um desenvolvimento incipiente para um estado social em boa parte do século XX.

As prestações desse Estado social se escasseiam na medida em que o déficit crônico da administração e ao mesmo tempo da gestão dos recursos supôs que os benefícios que chegassem aos diferentes setores da população tivessem uma qualidade e um montante muito diferentes, quando falamos especificamente das ajudas sociais.

Por trás disso, encontra-se a relativa incapacidade que teve a Argentina democrática em desenvolver um sistema econômico, um projeto de desenvolvimento econômico capaz de tornar sustentável esse proto-estado social que uma e outra vez teve de recorrer ao endividamento ou à desvalorização da própria moeda para seguir enfrentando os custos que o modelo impunha.

Mais do que uma cegueira das dirigências politicas, isso se deveu aos custos inerentes de uma redefiniçao, uma reforma econômica mais ambiciosa do modo de produçao, da reproduçao da vida material na Argentina, supunham a qualquer governo, qualquer governo estava incapacitado de levar adiante essa situaçao.

A situação política, ao mesmo tempo, impedia qualquer acordo entre atores políticos mais amplos, que acabavam por uma e outra vez, acabavam por desestimular essa transformação, pelos custos que levariam um governo monocolor a levá-las adiante.

Há exceções. Inicialmente, o governo de Alfonsín não demorou, ao longo de dois ou três anos, em compreender as transformações para uma equipe com um olhar econômico forjado basicamente nos anos 1960.

O governo de Menem encara reformas profundas, mas o faz basicamente a partir da sustentação de financiamento que lhe deu a venda de estoques físicos a notável, como eram as empresas públicas. E esgotada a convertibilidade, a paridade 1-1, a crise de 2001 é uma situação especialmente desfavorável a que permite a rearticulação de um proto-estado social no novo século.

Isso é o que, em alguma medida, está gerando um profundo mal-estar imediato, relativo a uma situação atual. A Argentina duplicou os níveis de pobreza, com relação aos anos 1980. Temos níveis acima de 42% atualmente. Pobreza majoritária entre a população mais jovem, com menos de 16 anos.

Ao mesmo tempo, a pobreza tomou conta de setores formais da economia, com uma queda muito forte dos salários, que se dá primeiro durante o governo de Mauricio Macri e que não é possível, não se recupera durante o atual mandato. Continua uma certa queda em certos setores. Pela primeira vez, aparece essa situação em que um trabalho formal e registrado não garante a saída da pobreza.

Ao tempo, a ausência de um horizonte de uma promessa crível de país por parte dos principais atores políticos partidários que vêm impugnando-se mutuamente ao longo deste século leva a esta situação.

Mas teríamos também que somar a isso que esse Estado como função de seu financiamento e seu déficit de organização que chega a distintos setores com piores recursos e prestações aparece também impugnado deste abaixo, com uma situação que abaixo também encontra o discurso de crítica radical a qualquer intervenção estatal a figura daquele que pode se sustentar através de distintos meios de vida por conta própria.

O discurso empreendedor e anti-Estado de Milei pode encontrar naquele que não recebe ajudas estatais, como fora em outro tempo, um discurso até certo ponto dignifica o papel do homem que se faz a si próprio, que tenta a vida sozinho.

São características variadas que se podem encontrar nesta ascensão da figura de Milei, de uma decepção que na Argentina aparece com a promessa de uma democracia não apenas que une o fator democrático com o Estado de direito, mas também com um Estado social de direito, com ideia de que com a democracia se cura, se educa, etc., aparece esta ampla brecha que vai gerando através do tempo um mal-estar que hoje parece sendo aproveitado por um discurso claramente antissistema, de radical ruptura com a ordem política prévia.

A isto, devemos somar uma situação muito particular que foi a seca que atravessou a Argentina este ano, que levou a um forte do desmoronamento da captação de divisas, para o comércio internacional pela Argentina, estima-se uma perda de entre 15 e 20 bilhões de dólares nas exportações, que sem sombra de dúvidas teve um efeito fatídico para um governo que já estava golpeado, que chega a essas eleições com mais de 12% de inflação mensal, com taxas anuais de inflação de 150% a 200%.

As argentinas e os argentinos não se assustaram com a experiência de Bolsonaro no Brasil, com todos os recordes de mortos durante a pandemia de Covid-19 e de fome durante seu governo?

Hugo Quiroga: Uma grande maioria dos argentinos se assustou com as políticas de Bolsonaro pelo caráter autoritário.

Em relação à gestão da Covid-19, a Argentina esteve entre as piores do mundo, em proporção à quantidade de habitantes. Confinou-se a população durante dois anos para evitar contágios e mortes. No final, foi um dos países com maior número de mortos.

Segundo alguns cálculos, superam os 135.000, quando o presidente Fernández justificou o confinamento durante dois anos porque não queria chegar a ter 100.000 mortos. Superou amplamente essa barreira.

Depois de um confinamento de dois anos, o desastre econômico se produziu nas empresas, principalmente em relação aos trabalhadores. Foi uma situação que hoje é muito criticada.

Além do mais, houve centros de vacinação chamados VIP, onde eram vacinados funcionários do governo em segredo. Compraram vacinas de baixa qualidade da Rússia por não querer comprar a dos Estados Unidos.

Durante o confinamento, a primeira-dama festejou na Quinta de Olivos seu aniversário, quando este estava proibido e o presidente fazia churrascos e até jogava futebol. Como política sanitária, foi uma das piores do mundo. Como consequência dos centros de vacinação VIP, o ministro da economia teve de renunciar.

Gerardo Aboy Carlés: A negligência do Brasil da administração Bolsonaro no enfrentamento da pandemia era o contra-exemplo mais claro do aumento de mais de 80% da imagem positiva do governo (Fernandez) nos primeiros meses do ano de 2020.

A política de confinamento preventivo de Fernandez foi muito apoiada. A ação coordenada com parte da ação política, basicamente com o que era o governo da cidade de Buenos Aires, que estava em mãos de Horácio Rodríguez Larreta, do PRO, levou o governo de Fernandez a uma altíssima popularidade nos primeiros momentos da pandemia.

Essa situação começa a se reverter quando uma parte da oposição inicialmente, dentro da mesma força Juntos pela Mudança, na medida em que passa o tempo, começa a criticar severamente a dureza do confinamento encarado pelas autoridades sanitárias argentinas.

A isto se junta o que, deslegitimando fortemente a posição oficial, a demora na compra das vacinas Pfizer e Moderna, o fato de que a Argentina compra a produzir em nível local a Sputnik, russa, através de laboratórios vinculados não ao Estado mas a empresários próximos do oficialismo, posteriormente a aparição de algumas preferências, o que se chamou de centro de vacinação VIP.

Esses fatos foram desatando uma progressiva impugnação. Em certa medida, abre-se a brecha entre o governo da cidade de Buenos Aires e parte de uma postura muito mais dura por parte do PRO, liderada por Patricia Bullrich, que iria finalmente ganhar as eleições internas gerais, contra Rodríguez Larreta.

Finalmente, o governo, também pressionado por debilidades múltiplas da coalizão oficial, que tem a ver com uma atitude muito pouco cooperativa com o governo por parte dos setores agrupados à vice-presidente Cristina Kirchner, repercutiram na ruptura final com a administração de Rodriguez Larreta.

A partir dali, diante de um fechamento mais duro que podia tolerar a economia de um país que tinha 50% de informalidade e onde muitas pessoas precisavam sair para ganhar seu sustento, derivou-se em um efeito boomerangue.

O que começou como um sucesso do governo terminou sendo esvaziado pela impugnação social que recebeu e terminaria em um conflito com os setores que haviam sido mais cooperativos, da oposição, como o governo da cidade, em torno da abertura das salas de aula nas escolas de Buenos Aires.

O cientista político Hugo Quiroga. Foto: arquivo pessoal

Os homens jovens são apontados como parte fundamental do eleitorado de Javier Milei. Somente o uso das redes sociais e as dificuldades econômicas do país explicam esse fator?

Hugo Quiroga: O grande apoio de Milei está nas redes sociais, na telefonia móvel, que os jovens utilizam e não de uma estrutura partidária da qual carece.

Gerardo Aboy Carlés: A população mais jovem é a população mais afetada pela pobreza estrutural na Argentina. Também é fato que muitos lares são pobres, liderados por uma mulher sozinha, criando seus filhos. Por que a proeminência, não apenas de jovens, mas também do sexo masculino no voto Milei?

Poderíamos ver uma reação à política dos últimos anos, de ampliação e reconhecimento de direitos em termos de gênero, legislação sobre a violência doméstica, sobre a autodefinição do gênero, o direito da interrupção de gravidez gratuita e garantida pelo Estado, uma política de tentar ampliar os recursos das mulheres diante da violência… Isto poderia explicar, em certa medida, o desprestígio do sistema político seja mais forte entre os homens jovens do que entre as mulheres jovens.

Também é fato que o discurso de Milei permeia diferentes setores sociais. Há setores médios que o setor jovem, de até 27 anos, têm um peso singular na candidatura de Milei. Para eles, a história democrática argentina e o peso da memória da experiência autoritária prévia tinha cada vez mais um significado menor, ou mais diluído.

Há algo de que no discurso de que esse Estado que não lhe assiste corretamente é na verdade o responsável de sua situação e lhe afunda e você luta todos os dias para levar sustento de alguma forma a todos, um discurso sobre a independência e a força pessoal, de autorreconhecimento, que aparece como uma espécie de uma valorização no discurso público, a experiência de alguém que deve a si mesmo para conseguir seu sustento, sua melhoria e seu progresso.

Isso eu não descartaria como um fator, uma espécie de valorização de discursos que na forma tradicional continua colocando ao centro a ideia de um Estado presente, quando esse Estado presente, como dizem alguns, um antropólogo argentino, alguns setores viveram mais uma mímica estatal do que uma presença efetiva do Estado em ajuda social, seguridade, saúde, educação, etc.

O jornal O Estado de S. Paulo publicou uma fake news segundo a qual Lula interveio para que o Banco de Desenvolvimento da América Latina emprestaria dinheiro à Argentina para ajudar Sergio Masa, o que foi compartilhado por Milei como se fosse verdade. Qual foi o impacto dessa (des)informação?

Hugo Quiroga: Essa fake news não teve maior impacto. Comentava-se muito o apoio de Lula perante o FMI para que se emprestassem recursos à Argentina.

Gerardo Aboy Carlés: A fake news do Estadão sobre a intervenção de Lula para ajudar não teve praticamente peso efetivo na campanha. Foi muito pouco utilizada pelos setores da atual oposição. Eu não a consideraria como uma fake news que afetou seriamente o curso dessa eleição.

DCM: Quais são os sentimentos do eleitorado argentino hoje?

Hugo Quiroga: O sentimento eleitoral é de apatia. Vai-se votar sem esperança, com a sensação de frustração de um povo decepcionado com seus dirigentes políticos.

Gerardo Aboy Carlés: Os sentimentos do eleitorado argentino são muito contraditórios. Há uma parte da sociedade que sente alguma esperança nessa eleição. Há uma outra parte, aparentemente majoritária, em que estaria tanto o oficialismo e o peronismo, mas também amplos setores do que era a oposição até agora, que vê isso com enorme preocupação, porque um candidato que associa diretamente a decadência argentina sem citá-la diretamente com a experiência democrática, apontando 1916 como a data do início da decadência argentina.

Em 1916 há o primeiro governo na Argentina eleito por sufrágio universal, masculino, secreto e obrigatório, ou seja, o governo de Hipólito Irigoyen. Refere-se aos últimos 40 anos, que são os anos de construção da democracia liberal na Argentina, pós-transição democrática nos anos 1980.

No discurso de encerramento, falou em atravessar o  “deserto”, nao à memoria, em referência ao êxodo do povo judeu, em referência aos 40 anos. Milei utilizou diretamente a linguagem da ditadura.

Em seu primeiro comício, Milei falou de “excessos de uma guerra”, que eram os termos que a ditadura utilizava para se referir à repressão ilegal e ao terrorismo de Estado. Este aspecto é central para a construção democrática argentina, o lugar dos direitos humanos e da denuncia do terrorismo do Estado, além dos vai e vens da apropriaçao que determinados setores tentaram fazer dessas bandeiras, eram parte da fundação da ordem democratica argentina.

Não é que ele apareceu de um dia para o outro, foi muito paulatino ao longo dos anos. Há responsabilidades do peronismo, há responsabilidades muito fortes da oposição de “Juntos” e finalmente chegamos a essa situação de Milei, em que passamos em meses de uma Argentina em que uma  oposição institucional da coalizão “Juntos por el cambio” se preparava para fazer governo com facilidade e em que apareceu um terceiro ator, que diz que governo e oposição são o mesmo, que são todos responsáveis. Constrói-se como um ator antissistema com amplas possibilidades.

A situação é de vigília. Há pessoas esperançosas, há muitas pessoas muito preocupadas e há a certeza de que estamos com a eleição presidencial mais importante desde 1983.

O cientista político Gerardo Aboy Carlés. Foto: arquivo pessoal

Quais seriam as consequências nacionais e internacionais se Milei ganhar?

Hugo Quiroga: As consequências nacionais podem ser muito complicadas, pelo tema da dolarização, o fechamento do Banco Central e tudo que se refere à educação e à saúde na Argentina, onde há uma longa tradição de serviço público.

No plano internacional, é preocupante. Ele terá de considerar alinhamentos políticos reais, mais além da narrativa dos discursos.

Gerardo Aboy Carlés: Se Milei ganhar, as consequências são, algumas, imprevisíveis no plano nacional e internacional. Outras são previsíveis.

As previsões: nunca tivemos um governo anarco-capitalista para tentar ver como isso acaba no nosso mundo. As consequências nacionais, creio que a mais direta, seria uma desestruturação muito forte das principais coalizões e partidos que caracterizam a Argentina nos últimos anos, sobretudo nos últimos 40.

Milei chegaria ao governo praticamente sem apoio legislativo, com uma ínfima minoria no Senado, no máximo com 40 deputados próprios.

Na Argentina, o poder executivo tem uma grande capacidade de negociação nas jurisdições, com a qual o golpe de uma derrota para o que era o sistema político argentino em seu conjunto vai levar a movimentos de importantes mudanças de lado, trânsfugas políticos que vão romper com as principais coalizões, tanto setores do peronismo territorial do interior, setores do PRO e do radicalismo.

O próprio presidente Macri há algumas semanas fazia gestos muito complacentes com Milei, atitudes que tentou reverter no final da campanha.

Essa debilidade inicial poderia muito dificilmente se converter em uma maioria ampliada. Vamos ter uma crise dos partidos, uma explosão de Juntos por el Cambio. Vejo uma parte do PRO aderindo a Milei.

Vejo o radicalismo mais em sintonia com certos setores do peronismo. Talvez setores mais próximos de Cristina também se transformem em uma minoria intensa, com muita capacidade de confluir com outros setores do peronismo, do radicalismo, liderando aí uma nova forma de oposição.

O fato é que a Argentina teria conflitos entre Congresso e Poder Executivo, que caracterizam muito fortemente países da região como o Peru, o que até agora a Argentina não havia conhecido porque, nesses 40 anos de democracia, a Argentina atravessou duas crises, a de 1989 e de 2001, e superou as duas institucionalmente muito bem.

A primeira com o adiantamento em cinco meses da entrega do poder por Alfonsin. E a segunda, com a renúncia de De La Rua, com um quadro de anencefalia e o papel do Congresso contemplado institucionalmente.

Até agora, a Argentina havia tido junto com seus escassos resultados em termos econômicos uma estabilidade política bastante invejável para a região. Um triunfo de Milei coloca isso em um lugar muito mais precário, porque são antecipáveis conflitos muito fortes entre os distintos poderes do Estado.

A posição de Milei tem que ser mais pragmática que a atual, porque sua posição anuncia uma ruptura com os principais compradores e vendedores para a Argentina, nacionais e internacionais, como Brasil e China.

Ontem, o mentor de Milei evocou ruptura de relações com o Vaticano, com o que isso significa para uma Argentina, que não é excessivamente católica mas tem um vínculo com o atual papado.

Finalmente, eu creio que sim, no plano internacional e regional, sobretudo, um triunfo de Milei seria virar a página por um longo tempo qualquer tentativa de ampliar tentativas de processo de integração regional no eixo Buenos Aires-Brasília, que são centrais para o destino econômico do país.

Milei presidente lhe parece inevitável?

Hugo Quiroga: Milei pode ser presidente, pois é um candidato competitivo. Minha impressão é que se não ganhar no primeiro turno, será mais difícil ganhar no segundo. Para ganhar no segundo turno, terá que fazer alianças com setores do peronismo, que ele chama de “a casta”.

Gerardo Aboy Carlés: A sensação na Argentina hoje é de que Milei presidente é algo inevitável. Eu desconfio um pouco dessa sensação, que eu lhe diria ser majoritária.

As eleições na Argentina são muito peculiares. Não é um sistema em que ganha quem tem 50% mais um dos votos. Mas um sistema que somente ocorre, no primeiro turno, que vai-se votar neste domingo, se alguém obtiver 40% mais 10 ou 45% dos votos positivos é eleito no primeiro turno.

Os últimos dados certos que temos, se vemos as várias pesquisas que dão Milei com bem acima de 30%, e próximo de 40%, ninguém está dando por enquanto Milei próximo de 45%. Seria uma surpresa.

O único dado certo, já que todas as pesquisas falharam quando foram feitas as internas, é o resultado das eleições internas de agosto. Esse resultado foi de terços com Milei com pouco mais de 29%, Bullrich com cerca de 28% e Massa, de 25%. Ou seja, os três candidatos separados por mais ou menos 2 pontos percentuais.

É possível que Milei tenha crescido e obtido o primeiro lugar? Sim. Sua imagem também pode ter provocado temor nas últimas semanas de campanha.

Na Argentina, sempre há um aumento entre as eleições primárias obrigatórias (PASO) e as eleições gerais, que pode girar entre 5 e 8 pontos de eleitores inscritos.

Creio que há a necessidade de estar muito atentos. Domingo, uma parte considerável do país espera chuva. Mas à tarde, se houver um aumento da presença nas urnas e quem são os ausentes nas urnas… Presume-se que são também a população de maior idade.

Entre a população de maior idade, dos 60 anos em diante, uma ampla participação desse setor poderia modificar o que hoje se dá como certo: Milei com o primeiro lugar e Massa, segundo.

Nesse setor de idosos, Bullrich é uma opção muito boa, Massa não lhes parece ruim, mas têm uma visão muito ruim de Milei.

Então isso poderia amortecer o que hoje parece ser a presunção principal. Dado que tínhamos três terços em um espaço muito limitado, ninguém pode descartar nada.

Milei pode aparecer como o mais provável, mas qualquer um dos três pode ficar fora do segundo turno por conta dos eleitores que não compareceram às urnas.

Muito certamente, Bullrich é a que teve mais dificuldade para retomar sua campanha depois das PASO. Ela termina um pouco melhor do que logo depois das PASO.

Então é necessário verificar se a queda prevista para o Juntos por el Cambio se verifica, dado que Milei pegou dos dois lados da antiga configuração. Temos parte da antiga configuração, que do mesmo modo que parece crítica dos dois governos anteriores, tampouco se identifica com a proposta de Milei.

Eu não diria que é inevitável o triunfo de Milei, que aparece como provável. Em segundo turno em que Milei se confronta com qualquer um dos outros dois, uma nova campanha se abre.

Num primeiro momento, a oposição anti-kirchnerista teria mais chances de ganhar a eleição de Milei. Mas Massa também pode se demarcar ainda mais do kirchnerismo e oferecer, como se está delineando, um governo com conceptores enquadrados na oposição. Uma partida com final aberto.

Se Milei não continuar, o que dificilmente ocorrera, mas não é impossível, já que não é impossível ganhar em primeiro turno, se não ganhar no primeiro turno, abre-se uma partida completamente nova no segundo turno.

Mas, apesar da opinião generalizada de que Milei já é presidente, há que se esperar um pouco todavia. A mobilização do eleitorado que não compareceu nas primárias, houve 69% de votação, e creio que estaremos com mais de 75% de participação no primeiro turno, entre 75% e 80%, o que pode incorporar um elemento imprevisto até agora.